Diante das fotos de Evandro Teixeira - Carlos Drummond de Andrade

A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo sob a luz,
e dois olhos não são bastante
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.

É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa,
o mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das imagens.

Fotografia - é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo
edifica uma permanência cristal
do tempo no papel.

Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta?
Mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então
a lembrar como exorcizar?

Marcas de enchente e do despejo.
O cadáver insepultável.
O colchão atirado ao vento.
A lodosa, podre favela.
O mendigo de Nova York.
A moça em flor no Jóquei Clube.

Garrincha e Nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
 na praia-templo de Ipanema,
 a dama estranha de Ouro Preto,
 a dor da América Latina,
 mitos não são, pois são fotos.

Fotografia: arma de amor,
 de justiça e conhecimento,
 pelas sete partes do mundo
 a viajar, a surpreender
 a tormentosa vida do homem
 e a esperança a brotar das cinzas.


Um comentário:

  1. A alma fotografou e as imagens permanecerão para sempre no álbum triste das lembranças.
    Drumond conseguiu extrair beleza das cinzas.
    Bjs.

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