Encantamento - Graça Pires

Amanhã, quando o chão for a construção da nudez
 e houver, entre os teus olhos
 e os meus, um súbito musgo,
 não se repetirá, meu Amor,
 o cambalear das palavras na garganta,
 nem diremos a interdição dos lagos
 na saliva esgotada no sal.

 Alguns corpos inventam
 a dimensão incondicionada da noite,
 exposta e cúmplice como a terra.
 Nós saberemos, lentamente,
 o mel inquietante dos dedos.

 Em nome da primeira vez que amei,
 tracei na pele um movimento eterno de combustão e dor,
 peças sensíveis da engrenagem
 montada no fundo dos meus olhos
 como um ciclo solar.

 Hoje conheço os contornos de um lugar
 pela quietude das ondas na maré vaza,
 ou pela brisa espontânea do poente
 e sei que o amor,
 onde nenhuma contradição é necessária
 é tudo quanto sobra no espaço vazio
 entre o que somos e o que não somos.


2 comentários:

  1. Não poderia deixar passar em branco o poema da minha amiga tão querida, Graça, cuja poesia é tão única e bela.
    Descobri casualmente esse espaço e fiquei encantada com os poetas, tão bem selecionados.
    Abçs

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  2. Agradeço pelo comentário, Elizabeth.
    Seja bem-vinda!

    Abraço :)

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