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A espera - Adalgisa Nery

Amado... Por que tardas tanto?
As primeiras sombras se avizinham
E as estrelas iniciam a noite.
Vem...
Pois a esperança que se acolheu em meu coração
Vai deixá-lo como um ninho abandonado nos penhascos.
Vem... Amado...
desce a tua boca sobre a minha boca
Para a tua alma levar a minha alma
Pesada de sofrimento!
Vem...
Para que, beijando a minha boca
Eu receba a sensação de uma janela aberta.
Amado meu...
Por que tardas tanto?
Vem...
E serás como um ramo de rosas brancas
Pousando no túmulo da minha vida...
Vem amado meu.
Por que tardas tanto?


Fracasso - Adalgisa Nery

O vazio faz-se entre a dissonância do aflito e do manso,
Faz-se no sono e no acordar da mente,
Faz-se no riso imotivado e no pranto recolhido.
O vazio faz-se na aura da vitória e no excesso da fartura,
No supremo instante do amor e no momento que o precede.
O vazio faz-se nas vísceras,
Na procura do querer sem rumo,
No monólogo da língua virgem,
No ocaso ainda não formado
E na visão que não nos pertence.
O vazio faz-se entre fezes e urina
Com a proliferação dos homens
Que a força dos vazios desconsolos vence.


A um homem - Adalgisa Nery

Quando numa rocha porosa
Cansado te encostares
E dela vires surgir a umidade e depois a gota,
 Pensa, amado meu, com carinho,
Que aí esta a minha boca.

Se teus olhos ficarem nas praias
E vires o mar ensalivando a areia
Com alegria pensa amado meu
Num corpo feliz
Porque é só teu.

Se descansares sob uma arvore frondosa
E além da sombra ela te envolver de ar resinoso
Lembra-te com entorpecência amado meu,
Da delicia do meu ventre amoroso.

Quando olhares o céu
E vires a andorinha tonta na amplidão
Pensa amado meu que assim sou eu
Perdida na infindável solidão.

A noite quando as trevas chegarem
E vires do firmamento
Uma estrela cair e se afundar
É sinal amado meu
Que o teu amor vai me abandonar.

Na morte, quando perderes o último sentido
E a tua própria voz
Em forma de pensamento
Te subir ao ouvido
Deixa escorrer a derradeira lágrima pelo teu rosto
Nascida do extremo alento do coração
E pensa então amado meu
Que ainda é um suave carinho da minha mão!






Pensamentos que reúnem um tema - Adalgisa Nery

Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,
Na tranquilidade dos que esqueceram a memória
E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.

Estou pensando nos que vivem a vida
Na previsão do impossível
E nos que esperam o céu
Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.

Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões
E nos poetas que correm indefinidamente
Em busca da lucidez dos que possam atingir
A festa dos sentidos nas simples emoções.

Estou pensando num olhar profundo
Que me revelou uma doce e estranha presença.

Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim
Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias
Não sentiram o seu mistério impenetrável,
Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas
Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,
Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,
Nas mulheres que correm mundo
Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,
Nos homens cujo sentimento de adeus
Se repete em todos os segundos de suas existências,
Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos
A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.

Estou pensando um pensamento constante e doloroso
E uma lágrima de fogo desce pela minha face:
De que nada sou para o que fui criada
E como um número ficarei
Até que minha vida passe.


Tripulantes do veleiro - Adalgisa Nery

O veleiro é o mesmo,
O horizonte é outro, mais infinito,
E o oceano se repete na variação
Entre a fúria e a placidez.
O azul do céu é manto de perfeição
Cobrindo tudo que existe.

O veleiro voltará um dia
Abrindo o mesmo horizonte,
Flutuando sobre a mesma ansiedade do oceano,
Cortando o mesmo azul da perfeição,
Carregando as terríveis vigílias
Dos mesmos cansados tripulantes,
Vítimas da mesma paisagem de monótona repetição.



A graça - Adalgisa Nery

Na memória nem tudo está em tudo.
Descobrir o signo, o símbolo
E não encontrar a chave do Universo
Que abre a porta do insondável
Guardada na mão do Senhor.
Encontrar a chave
Não de uma certeza, mas de uma atitude,
De uma razão diferente,
Encontrar a chave
Que abre passagem da vigília do sono
A outra vigília superior
Para atingir o desperto.
Nem tudo está em tudo
Se a graça do Amor
Não ordenar o nosso íntimo.




Poema da incerteza - Adalgisa Nery



O desespero estéril da indecisão
Cobre o ar frio como uma sombra glacial
Dispersando a humana compreensão
Sobre o objetivo e o vital.
Com a madrugada se vai também a solidão
A única e doce companheira
Para a irremediável e a completa aceitação.
O irresoluto afoga a verdade,
Caminha sobre o certo
Colocando trevas na humanidade
Já tão fria e tão sofrida
Para que a alma fique sempre acesa
Aos arrancos trágicos da vida
Onde germina a força e a beleza.

A poesia se esfrega nos seres e nas coisas - Adalgisa Nery

Nunca sentiste uma força melodiosa
Cercando tudo que teus olhos veem,
Um misto de tristeza numa paisagem grandiosa?
Ou um grito de alegria na morte de um ser que queres bem?
Nunca sentiste nostalgia na essência das coisas perdidas
Deparando com um campo devoluto
Semelhante a uma virgem esquecida?
Num circo, nunca se apoderou de ti, um amargor sutil.
Vendo animais amestrados
E logo depois te mostrarem
Serem humanos imitando um réptil?
Nunca reparaste na beleza de uma estrada
Cortando as carnes do solo
Para unir carinhosamente
Todos os homens, de um a outro pólo?
Nunca te empolgastes diante de um avião
Olhando uma locomotiva, a quilha de um navio,
Ou de qualquer outra invenção?
Nunca sentiste esta força que te envolve desde o brilho do dia
Ao mistério da noite,
Na extensão da tua dor
E na delícia da tua alegria?
Pois então, faz de teus olhos o cume da mais alta montanha
Para que vejas com toda amplitude
A grandeza infindável da poesia que não percebes
E que é tamanha!

O Desvendado - Adalgisa Nery

O que há além dos veleiros perdidos no silêncio das esperas,
Além do azul parado atrás do horizonte?

O que há atrás de cada impulso, de cada gesto cortado,
Além do que existe e não sabemos procurar?

O que há além da ternura
Acomodada na procura incerta do prazer,
Na aceitação que vem pelo cansaço e o desamor?

O que há além de cada mundo que somos?
O que há além da imensidão dos vazios
Multiplicados na orla de cada minuto?

Exílio alargando-se na vida para o termo da morte.


Poesia marítima - Adalgisa Nery



O mar veio chegando, chegando
E esticou-se sobre a areia como um corpo que procura outro.
O cheiro das algas misturou-se com o calor das camadas
Aquecidas pelo sol da primeira madrugada
E invadiu todas as folhas das árvores
E a raiz das palmeiras agarradas nos penhascos.

Me senti a mulher transparente
Com olhos cor do ar,
Atirada na praia, coberta de conchas e espumas do mar,
Cirandei com as estrelas e ouvi os caramujos,
Chamei com os braços
Gaivotas que em meu corpo quisessem pousar.

Conheci a intimidade das conchas abertas,
Cantei preces que aprendi com os afogados
E gemi com o vento no mastro das galerias.

A mulher branca e transparente
Com os olhos cor do ar,
Que dorme na areia,
Sou eu, a filha do sol a das águas do mar.

Pobreza - Adalgisa Nery


O manto de linho tecido para a minha infância
Ao lavá-lo ao rio
A corrente o levou.
O manto de seda tecido para a minha adolescência
Ao mostrá-lo ao sol
O vento o levou.
O manto de lã tecido para a minha morte
Ao aquecê-lo ao fogo
A chama o queimou.

Sugestões - Adalgisa Nery



A chuva cai sobre as folhas
Enquanto o vento dobra a intenção das flores
O hálito da terra molhada
Avoluma sugestões no pensamento
Desenha na penumbra da memória
Restos de século, sonhos partidos
E imprecisas causas de sofrimento.

A chuva traz para o meu corpo
O vestido de uma mulher sem nome
Sepultada numa hora sem fixação.

O vento penteia meus cabelos
Com a forma dos ninhos em abandono
Olho o céu intumescido de tristeza
E reconheço que uma forma surgindo na neblina
Tem os meus ombros e o contorno da minha cabeça.

Ouço o vento regressando das infâncias esquecidas
Trazendo as cantigas de roda
Contando as histórias de fadas
Quando a minha voz
Era a voz de menina.

Eu sinto a chuva cair com volúpia
Sobre o solo agradecido
E o vento levar para as distâncias novamente
Fragmentos de muitas vidas
E a evasão dos meus pensamentos.

Instante - Adalgisa Nery

O espanto abriu meu pensamento
Com idioma vindo do delírio,
Dos receios indefesos, dos louvores sem raízes,
No perdão oferecido sem razão.
O espanto abriu meu pensamento
Na noite carregada de lamentos
Em linguagem universal
Fluindo do eco perdido
Com passos de presságio amanhecendo.
Corpos florindo na pele da terra
Acendendo vida nas rosas e nos vermes,
Aumentando a potência do limo,
Preparando a primavera nos campos,
Ventres irrigando secas raízes,
Cogumelos róseos crescendo
Na umidade das faces.
Coagulação de prantos na semente
Das constelações adivinhadas.
E no faminto inconsciente, o tempo
Sorvendo com fúria o seu sustento
No insondável silêncio de mim mesma.

Distâncias Perdidas - Adalgisa Nery

Iluminados por luz que nasce na distância
E largados à vontade sem destino
Cavalgamos campos e relvados
Vazios de montes ou vales aguados.
A colheita de horizontes é farta
Mas inatingível para a fome de repouso.
No céu os mares sonolentos ou raivosos,
Na terra, do canto morto e irrevelado
Nascem braços como espigas ressecadas,
Na paisagem
Exuberante cresce a solidão
Sem deixar rastros da nossa passagem.

Poesia entre o cais e o hospital - Adalgisa Nery

Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar.

Simplicidade - Adalgisa Nery

Vida no vento,
Vida na rosa,
Vida no fogo,
Vida na pedra,
Vida na água,
Vida na luz,
Vida no pranto,
Vida no húmus,
Vida na vida do amigo,
Vida no silêncio,
Vida na angústia,
Vida no mistério da criança,
Vida na vida
Cantando, cantando sempre
Na infinita vida da morte.

Poema ao silêncio - Adalgisa Nery



Silêncio, cobre meu pensamento e o meu coração
Cobre o meu corpo do desejo dos homens
E a minha sombra da luz do sol
Cobre até a lembrança dos meus passos
E o som da minha voz
Cobre a minha caridade e a minha fé
A vontade de morrer e também a de viver
Estende-te sobre o colorido das paisagens
Interpõe-te na minha respiração e no meu pestanejar
Cobre-me desde o início da minha concepção
Enrola-te no duplo de mim mesma
Transforma-me em fragmento de ti próprio,
Penetra no meu princípio e no meu fim,
Cobre-me bem, com tanta amplitude e intensidade
Que possa eu ser esquecida
E me esquecer por toda a eternidade!

Versos na tarde - Adalgisa Nery



Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,
Na tranqüilidade dos que esqueceram a memória
E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.

Estou pensando nos que vivem a vida
Na previsão do impossível
E nos que esperam o céu
Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.

Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões
E nos poetas que correm indefinidamente
Em busca da lucidez dos que possam atingir
A festa dos sentidos nas simples emoções.

Estou pensando num olhar profundo
Que me revelou uma doce e estranha presença.

Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim
Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias
Não sentiram o seu mistério impenetrável,
Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas
Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,
Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,
Nas mulheres que correm mundo
Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,
Nos homens cujo sentimento de adeus
Se repete em todos os segundos de suas existências,
Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos
A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.


Estou pensando um pensamento constante e doloroso
E uma lágrima de fogo desce pela minha face:
De que nada sou para o que fui criada
E como um número ficarei
Até que minha vida passe.

Histórias do vento - Adalgisa Nery

O vento veio correndo
Assoviando, gritando
Que vira a lua nascendo,
Que vira a estrela brilhando,
Que o beija-flor vira voando,
Que vira o rio cantando
E o fruto amarelando.
Que vira o orvalho caindo
Sobre a relva e sobre a flor,
Que vira a abelha zumbindo
Dentro das pétalas em cor.

Que vira a semente no chão,
Nas águas, o peixe mudo,
O pastor tangendo as ovelhas
Cantando por nada e por tudo.
O vento veio correndo,
Assoviando, cantando
Que vira o mais belo do mundo:

Uma criança nascendo,
Uma criança brincando,
Uma criança sorrindo, vivendo,
Uma criança cantando.

Poema natural - Adalgisa Nery

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo,
parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva,
desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.