Mostrando postagens com marcador Bertolt Brecht. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bertolt Brecht. Mostrar todas as postagens

De que serve a bondade - Bertolt Brecht

De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos,
ou são abatidos
Aqueles para quem foram bondosos?
De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não-livres?


De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida
de que cada um precisa?
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível
a bondade, e melhor;
A faça supérflua!
Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!
Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação
que faça da sem-razão dos indivíduos
Um mau negócio!


Tempos sombrios - Bertolt Brecht

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranquilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.


Regar o Jardim - Bertolt Brecht

Regar o jardim, para animar o verde!
Dar água às plantas sedentas!
Dê mais que o bastante.
E não esqueça os arbustos, também
Os sem frutos, os exaustos
E avaros!
E não negligencie
As ervas entre as flores, que também
Têm sede. Não molhe apenas
A relva fresca ou somente a ressecada:
Refresque também o solo nu.


A troca da roda - Bertolt Brecht



Estou sentado no barranco da estrada.
O condutor trocando a roda.
Não gosto do lugar de onde vim.
Não gosto do lugar para onde vou.
Por que eu vejo a troca da roda
Com impaciência?

Perguntas de um trabalhador que lê - Bertolt Brecht

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?
Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?
E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?
Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a edificaram?

No dia em que a Muralha da China ficou pronta,
para onde foram os pedreiros?
A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo:
quem os erigiu?
Quem eram aqueles que foram vencidos pelos césares?
Bizâncio, tão famosa, tinha somente palácios para seus moradores?
Na legendária Atlântida, quando o mar a engoliu,
os afogados continuaram a dar ordens a seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César ocupou a Gália.
Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro?
Felipe da Espanha chorou quando sua frota naufragou.
Foi o único a chorar?
Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos.
Quem partilhou da vitória?
A cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes comemorativos?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas informações.
Tantas questões.

Epitáfio Para Gorki - Bertolt Brecht

Aqui jaz
O enviado dos bairros da miséria
O que descreveu os atormentadores do povo
E aqueles que os combateram
O que foi educado nas ruas
O de baixa extração
Que ajudou a abolir o sistema de Alto a Baixo
O mestre do povo
Que aprendeu com o povo.

Balada da gota d'água no oceano - Bertolt Brecht



O verão chega, e o céu do verão
Ilumina também vocês.
Morna é a água, e na água morna
Também vocês se banham.
Nos prados verdes vocês
Armaram suas barracas. As ruas
Ouvem os seus cantos. A floresta
Acolhe vocês. Logo

É o fim da miséria? Há alguma melhora?
Tudo dá certo? Chegou então sua hora?
O mundo segue seu plano? Não:
É só uma gota no oceano.

A floresta acolheu os rejeitados. O céu bonito
Brilha sobre desesperançados. As barracas de verão
Abrigam gente sem teto. A gente que se banha na água morna
Não comeu. A gente
Que andava na estrada apenas continuou
Sua incessante busca de trabalho.

Não é o fim da miséria. Não há melhora.
Nada vai certo. Não chegou sua hora.
O mundo não segue seu plano:
É só uma gota no oceano.

Vocês se contentarão com o céu luminoso?
Não mais sairão da água morna?
Ficarão retidos na floresta?
Estarão sendo iludidos? Sendo consolados?
O mundo espera por suas exigências.
Precisa de seu descontentamento, suas sugestões.
O mundo olha para vocês com um resto de esperança.

É tempo de não mais se contentarem
Com essas gotas no oceano.

Nada é impossível de mudar - Bertolt Brecht

Nada é impossível mudar.
Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.