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Lamento em voz baixa - Emílio Moura


A vida que não tive
morre em mim até hoje.
Chega, límpida, pura,
sorri, pálida, foge.

A vida que não tive
salta, viva, de tudo.
Se me sorri nos olhos,
com que ilusão me iludo.

A vida que não tive
é o que há de mim em mim,
chama, orvalho, segredo
do nunca de onde vim.

Mundo imaginário - Emílio Moura


Sob o olhar desta tarde,
quantas horas revivem
e morrem
de uma nova agonia? Velhas feridas se abrem,
de novo somos julgados, o que era tudo some-se
e num mundo fechado outras vigílias doem.

A noite se organiza e, no entanto, ainda restam
certas luzes ao longe. Ah, como encher com elas
este ser já não-ser que se dissolve e deixa
vagos traços na tarde?


Condição humana - Emílio Moura


Como captar da vida
o que rápido, foge
entre dúvidas? Como
reter o que, mal surge,
já se desfaz: é sombra,
algo vago, já neutro,
réstia pálida, eco
de nada, de ninguém?
Um minuto se esboça,
rútilo se sonha,
ardente se anuncia.
Onde? Quando? Quem sabe?
Sempre se sabe tarde,
sem mais onde, nem quando.


Momento - Emílio Moura

Nesta hora insolúvel,
apego-me a tudo:
presente, passado ...
Futuro? Este é mudo.

Invento prodígios,
a ver se me iludo.
A mágica falha.
Do fundo da noite,
de mãos estendidas,
virá quem me valha?

Nesta hora insolúvel,
perdi meu caminho:
Nem rota, nem porto.
Quem é que me conta
se estou vivo ou morto?

Navego sozinho.


Como a noite descesse... - Emílio Moura


Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e desesperado
diante dos horizontes que se fechavam
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo:
só as estrelas é que me entenderiam.

Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
– É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
– Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
– Ó doce e incorruptível Aurora...
se só as estrelas é que me entenderiam?


Solidão - Emílio Moura


Que fazer comigo,
com tanto sonho, tanto,
se há lágrima e espanto
na noite sem ti?

Que fazer comigo
com tanta esperança,
se a noite tão mansa
não te traz a mim?

Que fazer comigo
se a estrela mais linda
desta noite ainda
não brilhou no céu?

Que fazer com tanta
vida, neste instante,
se estás tão distante
que anoiteceu?


A fábrica do poeta - Emílio Moura


Fabrico uma esperança
como quem apaga
algo sujo num muro,
e ali, rápido, escreve:
Futuro.

Fabrico uma pureza
tão menina,
tão cristal e tão fonte
que, de repente,
É meu todo o horizonte.

Fabrico uma alegria
que é de ver as coisas
como se só agora
é que nascesse
a aurora.

Fabrico uma certeza
exata
para cada instante.
A vida não está atrás,
Mas adiante.

Fabrico com o que tiro
de mim mesmo e do mundo
meu dia.
E ao que, em síntese, sou
junto o que queria.

Fabrico uma hora densa,
como quem te descobre.
Ah, quem diria
que essa hora imensa
já é poesia?


Mar alto - Emílio Moura


Que hei de fazer, se não me encontro,
se há tanto tempo estou perdido?
É o mar, meu pai: é o mar! E o mar está crescendo.
O mar é fundo, o mar é frio.

Meu pai, que silêncio,
que grave silêncio!
Por que não sorris?

Meu pai, estou perdido:
há tantos caminhos
no fundo do mar.
Como hei de voltar?



Interrogação - Emílio Moura


Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.

- Senhor, são os remos ou são as ondas
o que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.


Toada dos que não podem amar - Emílio Moura


Os que não podem amar
estão cantando.
A luz é tão pouca, o ar é tão raro
que ninguém sabe como eles ainda vivem.
Os que não podem amar
estão cantando,
estão cantando,
e morrendo.

Ninguém ouve o canto que soluça
por detrás das grades.


Permanência da poesia - Emílio Moura


Quando a luz desaparecer de todo,
Mergulharei em mim mesmo e te procurarei lá dentro.

A beleza é eterna.
A poesia é eterna.
A liberdade é eterna.
Elas subsistem, apesar de tudo.

É inútil assassinar crianças. É inútil atirar aos cães os que,
de repente, se rebelam e erguem a cabeça olímpica.
A beleza é eterna. A Poesia é eterna. A liberdade é eterna.
Podem exilar a poesia: exilada, ainda será mais límpida.

As horas passam, os homens caem,
A poesia fica.

Aproxima-te e escuta.
Há uma voz na noite!

Olha:
É uma luz na noite!



A nau - Emílio Moura

A nau que chega do Além
de onde é que vem?

Meus olhos procuram no ar,
penetram fundo nas ondas,
mas fica a interrogação:

a nau que chega do Além,
dizei-me vós, a que vem?

Meu coração se consulta,
penetra fundo em si mesmo,
mas fica a interrogação:

a nau que chega do Além,
dizei-me vós, a que vem?


Gênese - Emílio Moura


Há sempre uma hora,
uma hora densa,
uma hora inesperada,
em que a paisagem mais inocente
tem o fulgor de um fiat.
O tempo sonha que é espaço,
o espaço sonha que é tempo,
a realidade se compenetra de sua irrealidade.
O homem repensa o mundo.
O mundo se recompõe em sua nostalgia de Deus.

Canção sem rumo - Emílio Moura


A vida subiu, desceu,
foi longe demais a vida.
Como uma estrela caída,
a minha vida desceu
rolando na tua vida.

Como uma estrela caída,

caída, de onde? Do céu?
a tua vida desceu
rolando na minha vida,
como uma estrela caída.


Três caminhos - Emílio Moura



Percorri tantos caminhos,
tantos caminhos andei.

O primeiro era de nácar,
de rosa pura o segundo.

O terceiro era de nuvem,
no terceiro te encontrei.

O primeiro já trazia
teu nome brilhando no ar.

Não era nome de terra:
cantava coisas do mar.

Logo senti que o segundo
já era estrada de encantar.

Mas, o terceiro, o terceiro
quantas voltas não foi dar!

Deixou meu corpo na terra,
meu coração no alto-mar.

Virou vento, virou bruma,
perdeu-se, rápido, no ar.

O menino e o mundo - Emílio Moura



A água canta nas pedras.
Um arco-íris inocente brinca num raio de sol.
A vida sorri à vida.
A realidade está sonhando.

Marinha - Emílio Moura



Grito teu nome aos ventos.
Olha: há uma revoada marítima.
O horizonte se afasta, há um ritmo largo
de ondas que se espreguiçam.

Velas esguias,
para onde voam?

Sulcos na praia,
para onde levam?

Amiga, amiga! Ah, dize-me depressa:
Quem grita aos ventos o teu nome?
O mar, ou eu,
o grande mar que o está cantando?


Presença - Emílio Moura



Estás sempre comigo.
Mesmo sem ti, estou contigo.

A luz se reflete nas águas que adormeceram sob as grandes árvores?
Teus olhos.

Um voo rápido de asas?
Tuas mãos.

Vês?
Mesmo sem ti, estou contigo.


Naufrágio - Emílio Moura


Meu grito não chega nunca
lá onde a aurora é possível.
A vida que nunca tive
me sustenta sobre as águas.

Misticismos - Emílio Moura

O céu lindo da vila pobre!
E a igreja pequenina, que se espicha toda na torre,
com vontade de ver o céu.

E o céu tão alto, e o céu tão alto!