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Covardia - Helena Kolody


Meus olhos perscrutaram a extensão desconhecida
Da senda acidentada e inquietadora:
Era tão estranha, tão sinuosa
A estrada da vida!

Meus pés sentiram um medo misterioso
De palmilhar o mais antigo dos caminhos:
Medo do pó, medo das pedras, medo dos espinhos,
Receio daquelas sombras estranhas
Que subiam dos abismos e desciam das montanhas.

Covarde, circundei minh’alma de penumbra.

Encontrei mãos que se estenderam, tão amigas,
Oferecendo amparo certo na jornada.
Eu, porém, não confiei no auxilio de outra mão.

E fiquei isolada, fiquei esquecida
À margem do agitado caminho da vida.


Sempre em viagem - Helena Kolody


Rodopiando com a Terra,
Girando em torno do sol,
viajamos velozmente
pela Via Láctea,

(... tão minúsculos
que nem percebemos
esse estar sempre em viagem.)


Helena Kolody


Algo que falta
Puxa as raízes,
Sobe caules,
Rebenta em flores,
No intenso impulso
De ir mais além.

Destino - Helena Kolody

Ser uma densa floresta sombria
Que tece filigranas vegetais
E em segredo se adorna para a festa da luz.

Tristeza das mãos - Helena Kolody


Choram em silêncio a dor de envelhecer.

Foram um dia a graça inocente
De um berço num lar.

Pálidas mãos, sulcadas de renúncias!

Foram jovens e belas,
Confiantes em si mesmas, todo-poderosas.

Tímidas mãos que se apagam na sombra!

Mãos feitas de luz, intrépidas e leais,
Solícitas e compreensivas,
Ternas mãos maternais.

Velhas mãos solitárias,
Como dói recordar!



A miragem do caminho - Helena Kolody


Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).



Luz e Sombra - Helena Kolody


Luz e sombra
lutam n'alma.

Só depois do sol ausente,
impera a noite.

Derrotadas
terra e treva,
reina a luz eternamente.


Sem retorno - Helena Kolody


Nada se repete na travessia.
Longa despedida sem retorno.

Marcos de nunca mais
balizam o contínuo transformar-se.

Vivos desenhos de sombra
sublinham o passante
e se desvanecem
ao anoitecer.


Sonhar - Helena Kolody

Sonhar é transportar-nos em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.

Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço,
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.

É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.


Flor na correnteza - Helena Kolody

  Solta a flor na correnteza

 Longe, alguém desconhecido
 faz um gesto distraído
 e colhe a flor de surpresa.




Trem de carga - Helena Kolody


Longa serpente,

de olhos acesos,
coleava dentro da noite,
bufando fumaça,
cuspindo fagulhas.
Muita carga, pouca força!
Muita carga, pouca força!
Resfolegava a locomotiva.
Vagões oscilavam de leve,
no embalo das rodas nos trilhos.

Parava o trem
nas estaçõezinhas sonolentas.
Besouros e mariposas
dançavam na luz dos lampiões.


A locomotiva saciava a sede

na mangueira.
Chiava o vapor nos freios.
Um silvo longo
soluçava no silêncio da noite.

Lento,
o trem de carga punha-se em movimento.

As rodas tocavam batucadas nos trilhos,
pois a alegria das rodas é viajar.



Noturno Urbano - Helena Kolody

O cansaço anoitece
nas solidões aglomeradas.

Noite alta,
velam janelas,
semáforos insones.

Nem um trilar de grilo
estremece a teia do tédio.



Penumbra - Helena Kolody

Já se aprofundam as raízes
 no repouso do silêncio.
 Cresce o musgo
 nas fundas cicatrizes.
 Levita a fronde.

 Na penumbra dos ramos,
 tímido pássaro
 inicia um canto
 de eternidade.



Canção da manhã - Helena Kolody


No esguio minarete do pinheiro,
O sabiá convida para a prece.
Canta e baila a água trêfega das fontes,
Na cristalina infância dos rios.
Fragílimas filigramas de teias orvalhadas
tremeluzem ao sol.
Ostenta um lustro novo e verde da folhagem,
Comunicando ao velho encanto da paisagem
Um brilho inaugural.
Fulvo oceano de luz em que submerge o mundo!
Riso feliz que assoma aos lábios sem querer...
Ó gloriosa manhã, como é doce viver!


Sintonia - Helena Kolody


Desejo de estar presente
na vibração deste agora
de inquietação e procura,
coragem e afirmação.
Bem dentro do coração
que supera o sofrimento

Estar no exato momento
em que o pensar se libera
de suas grades e muros.
Contagiar-se de espera.
Lavrar os dias futuros.



Alegrias - Helena Kolody

As alegrias passam por mim
Qual um sonoro bando de aves brancas
Por sobre o espelho do mar.

A superfície vibra de inquietas imagens.
Mas a profundeza é sempre a mesma,
Sempre a mesma,
E é eternamente a mesma a direção das vagas.


Trilha batida - Helena Kolody


Em todos os caminhos,
vestígios de outros passos.

A própria voz se perde
no vozear imenso.

Há muito, alguém pensou
os nossos pensamentos.

Só existe um refúgio,
uma posse,
um domínio defendido:
o profundo de nós mesmos,
singular
e indevassável.