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Passo a passo - Joaquim Pessoa

A par e passo a passo neste espaço
abrindo a largos golpes largos espaços
e passas nos meus passos passo a passo
repassas em abraços os meus braços.
A peso peso os passos quando piso
os traços com que traço e já trespasso
o passeio nos lenços que desfaço
em lassos laços quando passas
como um punhas perdido em plena praça
A todos e a cada um dos meus amigos


A todos e a cada um dos meus amigos - Joaquim Pessoa

Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.


Onde está a mãe? - Joaquim Pessoa




A Mãe está onde está a camisa púrpura
e onde a tempestade sacode a espuma dos gerânios.
Onde se apagou a lareira e esse fogo bom
na parede dos ossos. Está no musgo que cresce
nos velhos pinheiros de onde a noite pende.

A Mãe está nas arestas do corpo onde
o toiro respira e se espreguiça a andorinha.
Onde a ansiedade apoquenta, onde resvala
o coração sujo de melancolia, negro,
negro como o motor de um corvo. Está
no Livro da Morfina, nos tocadores de viola
com grandes pés de anjo e nos operários construindo
paredes de lume em andaimes de cinza.
A Mãe está onde o moinho escondido
trabalha no peito com a roda do olhar.

Onde ainda arde a madeira verde das estrelas.
Onde o tiro parte e se agita o vento. A Mãe
está na noite que vaza as veias por uma ferida
no ventre. No parto dos pássaros. No som
dos ossos quando partem. A Mãe está nua
interrogando-se como um navegador sem sexo
onde o cão lambe o medo desses peixes azuis.
Na insatisfação e no martírio de uma água inteira.
Nas margens da minha cabeça. No aroma fixo
dos espelhos. A Mãe está na viagem das semanas.
No pólen e na rede. Na pedra parada. Na pedra que voa.
Está na paixão dos olhos. Nos bosques do sangue, nas
clareiras do sangue, na chuva em catedral.

A Mãe está no crime dos heróis. Nos joelhos
do rio. Na cama, na doce cama dos salgueiros.
Nos riachos do orvalho. No lume da cebola.
A Mãe está nos ombros de cada um dos meus instantes.
Onde a emoção se diz e se suspende. Onde
a noite e a língua se observam. Onde nascem
equilíbrios. Onde os crânios e as lâmpadas arriscam.

A Mãe está nos pulmões do meu abismo. Está
no lenço rasgado das roseiras. E na ira do frio.
No chicote das palavras. No silvo. No sítio
do poema. Onde tudo é brusco e arde. Aí,
nessa carne da dúvida, sem dúvida, está a Mãe.