Mostrando postagens com marcador Odylo Costa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Odylo Costa. Mostrar todas as postagens

Poema da simples alegria - Odylo Costa, Filho


A alegria estava do lado de dentro da casca das
árvores
E subiu na manhã
A alegria me trouxe um ramo claro de acácias
Boiando numa cumbuca partida de mel.
A alegria me trouxe para perto do mar
E eu mergulhei a cabeça nos tanques da
meninice.
Onde estais, arapongas, que vos ouço e não
vejo?
Estais é no fundo do mar.
Estais é nas casas dos morros.
Estais é no ar.


Duas canções para Carlos Drummond de Andrade - Odylo Costa, Filho


1
Canção obscura
dos olhos fundos
na terra nítida
vai navegando

soluço inquieto
mágoa secreta
nos olhos fundos
cores e sombras
das madrugadas

as bicicletas
os trens passando
bondes e nuvens
quotidianos
que companhia
no desespero!

Homem sozinho
que estás presente
nas nossas noites
todas iguais,
esquerdo e simples
como uma foice

que teu destino
nos justifique
nos acompanhe
nos abençoe.


2
Paciência deslumbrada
caindo gota a gota,
noite e dia polida,
muda-se em sal da infância
que tuas vacas lambiam
e nos devolves nítido
em chuva dulciamara
mas fecundando a terra
das roças do amanhã.

Ó menino, ó vaqueiro,
que tens nas magras mãos
o segredo do tempo
sempre ressuscitado,
apascenta nas folhas
de papel de jornal
teu rebanho de seres
no campo da montanha
e derrama na estrada
como leite na cuia
essa carícia – o vento,
esse poder – a vida,
pedra, ferro, ilusão
bicicleta rodando
contra a noite esquecida
para acordar os dias
e soletrar com os homens
a nova madrugada,
estrela da manhã,
cantiga do horizonte,
rasgada para o céu.



Para sempre - Odylo Costa, Filho


Ando bem devagar. Em silêncio.
Como quem resguarda uma luz frágil em noite de tempestade.
Quero evitar a fuga da poesia que, mal acordou em mim,
se dispersa nos ventos da tarde.

Estou só, mas teus olhos, presentes nos meus, não se calam.
Alguém que espia espantado terá ouvido o teu riso?
Caminharei ainda mais lento para que o teu rosto
não se fragmente em minhas mãos.
Vigiarei as pupilas para que a tua imagem não fuja.

Dorme dentro de mim.
Só quero as coisas para sempre. Dorme.



Soneto de Natal - Odylo Costa, Filho

Perdi-me dos pastores e sozinho
procuro o rastro do caminho certo.
Há luz no escuro mas não há caminho.
Fica longe o que parece perto!

Busco o Menino mas não adivinho
como encontrá-lo no meu passo incerto.
O desespero pesa como vinho.
É a dor apenas que me traz desperto.

Minhas mãos adormecem na quebrada
da noite, pelo frio da chapada.
A neblina se deita no horizonte.

Mas de repente esbarro na lembrança
das reisadas de quando era criança,
e Deus nasce do chão como uma fonte.


Elegia - Odylo Costa, Filho

A pedra, e o que há dentro dela.
A árvore, e o que há dentro dela.
O corpo, e o que há dentro dele.

Leves são as nuvens no céu.
Mesmo no cemitério abandonado há flores
e velas acesas: o amor vive.

Os jasmineiros cobrem as sepulturas pobres
como renda cheirosa e lençol branco.
As mãos se fecham. Juntas escondem
a veia aberta.



Soneto do coração destruído - Odylo Costa, Filho


Havia um coração a ser construído
pelos cantos do mundo sacudido
havia uma paixão despedaçada
pelo choro do mar atravessada

Havia um sono sempre soluçado
e um copo d’água nunca derramado
e uma rua de sol sempre banhada
e uma noite de lua inacabada

Havia um ser de pregos trespassado
e uma clareira em meio ao mar irado
e um grito por espasmos dividido

E nos espinhos rosa concentrada
e nos passeios rosa desfolhada
e nas esquinas coração destruído.


Soneto da transfiguração - Odylo Costa, Filho



Quero as ilhas no mar amanhecendo
- garças verdes nas águas se deitando -
e os rios em que o barro vai descendo
e o choro humano que vão carreando.

Quero as estradas que mal vão nascendo
e os matos que no sol vão secando.
Quero os olhos de outrora renascendo,
quero a vida de agora despontando.

Tudo sonho reter na mão cansada.
Feito o menino que encontrou um ninho
jogado ao chão, na beira do caminho,

e o quer salvar da força da enxurrada,
e o que resta de mim vendo trazer
para transfigurar-se no teu ser.

Mergulho - Odylo Costa, Filho

Mergulhar
no mar da vida
e trazer sangue
nas mãos rasgadas
em ásperas pontas
das rochas mais fundas.

Mergulhar
no mar da noite
como um bicho ferido
que se esconde do caçador
e trazer no rosto
sinal das estrelas.

Mergulhar
no mar da morte
e trazer nas veias
para o chão das águas
a esperança e
a ressurreição.


Soneto do Pantanal - Odylo Costa, Filho


Este jardim me lembra outro jardim,
esta janela outra janela obscura,
e nos mundos sem fim mundo sem fim,
e após o mergulhar da escada escura,

uma aurora de plantas e de garças,
porto de bois, cavalos e meninos,
ninhos pendentes de árvores esparsas,
nos grandes céus os astros pequeninos

e as aves em cardumes navegantes,
rios róseos nas asas inaudíveis,
gritos, cantos cruzados pelo espaço,

mundo de ervas e de águas, onde dantes
os homens eram duros, mas sensíveis,
e a vereda no campo era seu traço.

Cantigas - Odylo Costa, Filho


Meu Deus, como é amarga esta paz,

paz de veias somadas, mas rompidas,
e em que o sangue se junta para chorar como outrora
se juntaram nossos corpos de marido e mulher.

Dai-nos, para consolo e esquecimento,
não alegrias quentes, exaltantes,
mas as ternuras do ressuscitar:
telhados velhos em cidades pobres,
cemitérios com poetas enterrados,
cadeiras de balanço em frente ao mar.

Livrai do incontido choro as nossas noites.
Meu Deus, livrai do incontido choro as nossas noites.
Dai-nos antes miúdas mãos, pés pequeninos
pisando flores no capim molhado,
nomes maternos na saudade densa,
cantigas, algumas cantigas.

Dai-nos cantigas descendo o rio
como canoas descendo o rio.

Cantigas de dor mansa, simples, humilde.
Tão mansa que não quer dizer nada.
Tão simples que não sabe dizer nada.
Tão humilde que nada ousa pedir a Deus.


As aquarelas - Odylo Costa, Filho


Não penso azul, nem verde, nem vermelho,
nenhuma cor vejo isoladamente:
quero a vida total, como um espelho
a que não falte flor, folha ou semente.

A natureza, neste abril redondo,
esconde formas, seres, linhas, cores,
aqui e ali bizarramente pondo
manchas involuntárias, multicores.

Recuso-me a adotar bandeira ou marca.
Nada escolho. O mistério natural
me envolve inteiro. Em tuas aquarelas
tudo renasce — como quem da barca
do dilúvio, depois do temporal,
visse de novo a terra das janelas...