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Conta a teu filho - Renata Pallottini


Conta a teu filho, meu filho
Daquilo que nós passamos
Que havia fitas gravadas
Retratos de corpo inteiro
Conta que nos encolhemos
Como animais espancados
Que ninguém teve coragem
Que respirávamos baixo
Olhos fugindo dos olhos
As mãos frias e suadas
E conta que faz dez anos
Que temos pouca esperança
Que pedimos testemunho
E não agüentamos mais
Talvez teu filho, meu filho
Viva em mundo mais aberto
Mas é grave que lhe contes calmamente
E nos mínimos detalhes
A história desses punhais
Cravados em nossas tardes
Porém, se por tudo isso
Renuncias a ter filhos
Como (alguns) renunciamos
Deixa inscritos, como eu deixo
Sinais em troncos de árvores
Letras em papéis esquivos
Pra que não escureça
Essa lâmpada mesquinha
Relâmpago, fogo fátuo
Pura lembrança dos dias
Em que livres,
Fomos filhos de pais muito mais felizes
Conta a quem possas, meu filho
O que em ti forem palavras
Nos outros serão raízes.



O grito - Renata Pallottini

 se ao menos esta dor servisse
 se ela batesse nas paredes
 abrisse portas
 falasse
 se ela cantasse e despenteasse os cabelos

 se ao menos esta dor visse
 se ela saltasse fora da garganta
 como um grito
 caísse da janela fizesse barulho
 morresse

 se a dor fosse um pedaço de pão duro
 que a gente pudesse engolir com força
 depois cuspir saliva fora
 sujar a saliva fora
 sujar a rua os carros o espaço o outro
 esse outro escuro que passa indiferente
 e que não sofre e tem o direito de não sofrer

 se a dor fosse só a carne do dedo
 que se esfrega na parede de pedra
 para doer visível
 doer penalizante
 doer com lágrimas
 se ao menos essa dor sangrasse…




Finisterrae - Renata Pallottini

Aqui começa o fim
Feito de vento.

Enlouqueceu a bússola
Do tempo.

Naufragam as certezas
Do infinito.

Aqui se acaba o mapa
Nasce o mito.

Aqui começa a morte
Em naves findas .

Aqui começa o medo.
Como um grito.

Silêncio - Renata Pallottini

Por que não és, apenas, se assim me bastas?
Tens a grande virtude de existir, o que é tudo.
Por que dizer? São tantas e tão vastas
Todas as palavras! Melhor que dizê-las, pobre é ser mudo.

Nossas mãos também foram feitas para dormir.
Mesmo o amor deve ter seus segredos.
Ninguém pode estar contigo quando queres apenas existir,
Há sempre algo em ti que não escapa à prisão dos teus dedos.

O agudo silêncio não fere ao que o respeita.
O ser, somente, tem a mesma calma de alguma antiga cabana.
Sejamos silenciosos como um anjo que se deita,
Como a queda de uma bênção sobre a alma humana.