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Vento - Roseana Murray


O vento escreve
em minha pele
estranhas palavras:
Sou seu dicionário
quando ando sem rumo,
subo a montanha,
caminho na areia.

Até que você me encontre
e leia em mim
as sílabas do vento,
vago pelo deserto.


Janelas - Roseana Murray


Em todas as janelas me debruço,
em todos os abismos
estendo uma corda
e caminho sobre o nada.
Também ando sobre as águas,
subo em nuvens,
galgo intermináveis escadas.
Abro todas as portas
e cavernas com um sopro
ou três palavras mágicas.
Mergulho em torvelinhos,
danço no meio do vento,
pulo dentro da tempestade.
Em cada encruzilhada me sento
e tento arrumar o destino,
estranho castelo de areia.


Trapézio - Roseana Murray


Meu corpo oscila
entre céu e a Terra,
a noite e o dia
o mar e o deserto.

Como se num trapézio
pendurado sobre o tempo,
meu corpo oscila,
toma impulso,
e num salto
mergulha sobre a vida.


Caixinha mágica - Roseana Murray


Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.

Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.

O que é que você quer
esconder na minha caixa?


Recado - Roseana Murray


Ao vento da noite sussurro
sete segredos; tudo que
tenho por fora tudo que tenho
por dentro, que o vento vá levando
minha sede de amor, pule cerca
pule sebes abra porteiras no mar
derramando meu recado nos quatro
cantos do ar...


Nuvens - Roseana Murray

Caminhar em nuvens
É o mais lento
E duro aprendizado:
Há que esquecer
Todo o peso
Terrestre
E transformar pedras
Em luz,
Palavras em estrelas.
Caminhar em nuvens
É árduo ofício:
Há que pintar as mãos e os gestos de azul
E oferecer ao outro
O mapa da delicadeza.



Mar e céu - Roseana Murray




Mar e céu
oscilam.
As velas brancas do barco
são quase nuvens
pousadas na água,
são quase aves,
e no fundo azul do mar
uma sereia arruma estrelas,
e no fundo azul do céu
um poeta arruma estrelas
enquanto o barco desliza.


Rios da alegria - Roseana Murray

Onde correm dentro da alma
os rios da alegria?

Por quais geografias
de tempos misturados,
despenhadeiros
ou vales enluarados?

Em suas águas nadam
peixes de luz quase invisíveis,
fugidios,
rumo a um mar desconhecido.

Deságuam no olhar
esses rios,
como partituras
escritas com o sopro
das estrelas.


Rede - Roseana Murray

Que a poesia
apanhe o invisível
em sua rede de nuvens e vento
por exemplo
o leve lamento que atravessa a casa
quando o passado invade
tudo de repente
e com sua teia transparente
paralisa o gesto
no meio do movimento

que a poesia diga
o que não pode ser dito
pedra e sentimento.


Vento - Roseana Murray

assim me chama o vento
me despenteia os cabelos
nas teias do precipício
a vida começa hoje
começa sempre
desde o nada até a medula
todos os dias
colar os ossos
e ouvir o ruído
subterrâneo de um rio
a vida começa hoje
sempre por um fio
a alma é um pêndulo
leva as horas
de encontro
às pedras.


Desejo - Roseana Murray


Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento
o caminho da noite
a janela do tempo
o caminho de mim.

Viagem no espelho - Roseana Murray


Espelho, espelho meu
Diga a verdade
Quem sou eu?
Se às vezes me estilhaço
Se às vezes viro mil
Se quero mudar o mundo
Se quero mudar o rosto
Se tenho sempre na boca
Um gosto de água e de céu.
Se às vezes sou tão só
Quando me viro do avesso.
Se às vezes anoiteço
Em plena luz do sol
Ou então amanheço
Com vontade de voar.
Espelho, espelho meu
Diga a verdade, quem sou eu?

Amor - Roseana Murray



Amor é o mistério
maior,
o jogo mágico
que se joga
com pedras sagradas,
pedaços da alma,
enluarados cristais.

Estrada que atravessa
abismos, cavernas, oceanos,
as mais altas montanhas,
e deságua no outro,
dentro dos seus sonhos,
dentro da sua noite.

O lago e a lua - Roseana Murray



Na pele da água
do lago
onde a noite flutua
como um barco,
a lua é tatuagem
de prata.

Se balança a lua
feito um gato,
equilibrada num fio
de vento.

Vai e vem
vem e vai
cai não cai...

a lua no firmamento.

Jardim - Roseana Murray

Infinito é o jardim
das delicadezas,
semeado desde
o primeiro dia do mundo.

Há que alimentá-lo,
hora por hora,
com palavras e gestos
e pedaços de alma.

Há que ser incansável
jardineiro:
para este jardim
cada sorriso é um sol.

Oferenda - Roseana Murray

Poesia é o que posso te oferecer
como um pouco de tempo claro
no fundo do tacho
como uma estrela de água

escuta: os pássaros forram a tarde
com seus invisíveis anseios

caminha com cuidado
o chão está armado
em cima de horizontes

tudo pode ruir de repente
essa casa de vento
meu coração

Silêncio - Roseana Murray


Para caminhar sobre
a delicada ponte que leva
aos olhos do outro,
todo silêncio é pouco.

Para ouvir a música
que se desprende
de todas as coisas belas,
todo silêncio é pouco.

Para sentir na pele
o veludo de um jardim,
quando a noite
envolve o mundo em sua
rede de estrelas,
todo silêncio é ouro...

Para entender,
palavra por palavra,
a voz que vem do coração,
todo o silêncio.


Roseana Murray



Como se fosse fácil,
eu me divido em duas
e enquanto a metade fica
bordando invisíveis luares,
a outra, que também sou eu,
anda solta pelos mares.

E enquanto a metade fica
trançando o azul das tardes,
a outra, que também sou eu,
anda louca pelos ares.

Estradas - Roseana Murray

As estradas dos pássaros
não são cobertas de barro
ou de cimento
são estradas sulcadas
na macia carne do vento