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Canção - Tasso da Silveira

O país que procuras
fica além da distância.

Talvez teu passo não o atinja
mesmo se caminhares
toda a tarde do mundo.

O país que procuras
é longe.
Existe à beira dos profundos mananciais
de genesíaco frescor.
Banha-se na clara névoa das origens,
na pura luz da infinita inocência.

Talvez teu passo não lhe atinja
a perdida fronteira,
mesmo se caminhares, caminhares
ininterruptamente
toda a noite da Vida...


Outono - Tasso da Silveira


O outono é pomo... É puro pomo o outono.
Pomo de sonho e de recolhimento,
pendendo, longe do amargor violento,
num perdido pomar de sombra e sono.

Há o vento, é certo, o lamentoso vento,
uivando, uivando como cão sem dono.
E a tristeza passando a passo lento
na alameda... E as lembranças. E o abandono.

Mas há também, no outono, essa doçura,
essa total renúncia de oferenda,
esse eterno alheiamento à dor e ao mal,

que faz do pomo uma presença pura
da bondade de Deus na ânsia tremenda,
no degredo da angústia universal.




Para a fadiga dos homens - Tasso da Silveira


Em todos os perdidos portos do mundo, 
sob o crepúsculo
balouçam barcos mansamente.
A brisa é uma carícia lenta
nos mastros e nas velas.
A voz da água é um segredo baixinho.
É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados...




Encantamento - Tasso da Silveira



A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...



Cata-vento - Tasso da Silveira

Cata-vento, lá no alto,
capta o mundo nos ventos.
O mundo das geleiras brancas,
dos desertos dourados,
das cidades aflitas, das montanhas, do mar.

Cata-vento, lá no alto
capta as horas nos ventos.
As horas, no orbe, simultâneas
mas tão infinitamente diferentes:
horas, aqui, da seara amanhecente,
horas, ali, da torre ensolarada,
horas, além, de cais na noite triste,
horas, por toda a parte,
de nascer ou morrer.

Cata-vento lá no alto
longe do chão impuro
capta os ventos que vem.
Ah, cata-vento não escolhe vento.
Todo vento lhe traz desejo e sonho,
todo o vento lhe traz beleza e mágoa.
Sim, cata-vento não escolhe vento
capta os ventos que vem,
mesmo os trêmulos ventos sonambúlicos
das solidões estagnadas
sem sombra de ninguém.




Homem - Tasso da Silveira

É a Natureza, em torno. – Em vão a estudas,
e os problemas intérminos agitas:
em solidões desérticas transmudas
a seara azul das ilusões benditas ...

- É a altura imensa. – As ânsias mais agudas, por
entendê-las, te laceram: gritas!
... mas são os astros reticências mudas
no silêncio das trevas infinitas ...

- É teu ser tumultuante. – Rememoras ...
e ouve vozes longínquas e sonoras
de perdidas distâncias, de outros mundos ...

Na água-morta do sonho te debruças,
cantas! E, assim cantando, é que soluças,
trêmulo, os teus soluços mais profundos ...





Os cavalos do tempo - Tasso da Silveira


Os cavalos do tempo são de vento.
Têm músculos de vento,
nervos de vento, patas de vento, crinas de vento.

Perenemente em surda galopada,
passam brancos e puros
por estradas de sonho e esquecimento.

Os cavalos do tempo vão correndo.
Vêm correndo de origens insondáveis,
e a um abismo absoluto vão rumando.

Passam puros e brancos, livres, límpidos,
no indescontínuo imemorial esforço.
Ah! são o eterno atravessando o efêmero:
levam sombras divinas sobre o dorso...




Libertação - Tasso da Silveira

Nossos desejos se purificaram e o nosso pensamento
foi subindo, ascendendo, serenando...

Nossas paixões se altearam
como o vento, que, depois de varrer o pó do chão,
para as estrelas trêmulas se eleva,
e, mais alto que a sombra, além da treva,
fica ressoando,
longe e livre, na ignota solidão...



Treva - Tasso da Silveira


Acende a lanterna da Tua graça
na floresta funda
para que eu ache o caminho
da Tua casa perdida entre penumbras tão distantes...

Acende a lanterna da Tua graça,
por que não há trilhos mais ásperos
nem mais secretos precipícios
do que os da floresta funda.
Nem distâncias que se prolonguem tão desesperantemente,
nem medo tão longo de ficar-se perdido para sempre...

Acende a lanterna da Tua graça,
porque para os meus olhos se apagaram
todas as paisagens lúcidas.
Porque a minha treva transbordou de dentro de mim mesmo
sobre as coisas do mundo...

Um passarinho canta - Tasso da Silveira

Um passarinho canta
para o canto perder-se.

Para o canto fundir-se
no éter puro e sereno,
no silêncio das coisas,
no mistério dos seres.

Um passarinho canta
apenas porque é vida:
a vida é apenas canto,
canto efêmero.
 
 

Canção - Tasso da Silveira


Os ouvidos eternos
ficaram, atentos, escutando
o fundo rumor dos passos:

dos passos dos homens
pelos
caminhos
do mundo.



Canção para musicar - Tasso da Silveira



Por que ficaram as árvores
tão sós e silentes que o vento parou?

Por que de súbito os pássaros
quedaram tão quietos que o luar se apagou?

Foi uma face de estrela
que uma água parada na mata espelhou

Foi a beleza do mundo
que na alma dos poetas, sonhando, cantou.

Fronteira - Tasso da Silveira

Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...

Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.

Poema 17 - Tasso da Silveira



Esquece o tempo. O tempo não existe.
Acende a chama às límpidas lanternas.
Nossas almas, a ansiar no mundo triste,
são de uma mesma idade: são eternas.

Se no meu rosto lês mortais cansaços,
é natural. A luta foi renhida:
caminhei tantos passos, tantos passos
para que te encontrasse em minha vida...

Não medites o tempo. Se muito antes
de ti cheguei, para a áspera, inclemente
sina de navegar por este mar,

foi para que tivesse olhos orantes,
e me purificasse longamente
na infinita aflição de te esperar...

Canção - Tasso da Silveira



Esse mar tanto sulcado
por meus avós navegantes,
fugindo das praias de antes
ficou dentro em mim guardado.
Pois quanto mais alto e fundo
e perdido é o sonho, vejo
que os barcos todos do mundo
navegam no meu desejo.

Noturno - Tasso da Silveira

Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?

Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.