Tchaikovsky - Symphony No. 4

Oriente - Caio Fernando Abreu


Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente
e um retalho roxo de seda alucinante
e mãos de prata ainda (se puderes)
e se puderes mais, manda violetas
(margaridas talvez, caso quiseres)

manda-me osíris no próximo crescente
e um olho escancarado de loucura
(em pentagrama, asas transparentes)

manda-me tudo pelo vento:
envolto em nuvens, selado com estrelas
tingido de arco-íris, molhado de infinito
(lacrado de oriente, se encontrares).

A Verdade - Thiago de Mello

A verdade é a luz pequena
ardendo na escuridão.
Da terra, ela nasce e cresce
de vida, na tua mão.
Quem a encontra, gasta um rio
de palavras, inaugura
braços e barcos, mostrando.
Ninguém a vê. De repente,
é um sol imenso no peito
da multidão: é a verdade
no centro do seu poder.
Mas ela também se acaba.
E quando se acaba
é uma brasa oca, faminta,
devorando o coração.

Improviso à janela - Cecília Meireles

Este é o começo do dia,
como o começo e o fim do mundo:
as nuvens aprendem a voar,
os campos vão sonhando nuvens,
o vento vai sonhando o pó
onde tristemente o amor palpitará.

Este é o começo do dia.
Vemos tudo o que já foi visto,
alguma coisa não mais se verá.

Nem sempre olhamos o dia
tão face a face e tão docemente.
Nem sempre sentimos esta saudade,
ainda ausente, ainda futura,
do que há e do que não há.

Este é o começo do dia:
- do céu, da luz, da terra, dos homens,
que acontecerá?

Acqua Marcia - Marina Colasanti

Em todo lugar sou estrangeira
Menos na minha casa
E mesmo na minha casa
Nenhum habitante sabe
Que o gosto justo da água
É aquele daquela água
Que em minha terra se bebe.

Chuva - Cecília Meireles


Sobre as casas fechadas, a chuva.
Sobre o sono dos homens, a chuva.
Sobre os mortos inúmeros, a chuva.

A chuva noturna sobre as árvores.
A chuva noturna sobre os templos
A chuva noturna sobre o mar.


Sobre a solidão deste mundo, a chuva.
A solidão da chuva, na solidão.

Gal Costa - Coração Vagabundo

Noturno - Helena Kolody

Dormem as papoulas.
A lua sonha no céu.
Vigiam os grilos.

Mar - Vinícius de Moraes

Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

Desvios da estrada - Paulino Vergetti Neto

O último grito ouvi de mim
antes de arredar-se a coragem
e meus olhos irem-se
desbravando a fuga
e tecendo o desespero.
Voltar não rimava com nada
e vagueei por estradas
sem nortes de idas,
sem vindas avistadas.

Ir-me era melhor do que ficar
e fui!
Hoje chego-me cedo do que tardeei
e apenas porque cheguei
acho de voltar-me.

Não gritarei mais.
E o silêncio, a arma,
devo entregar às estradas deixadas

por onde nunca cruzei.

A Idade - Carlos Nejar

Falou e disse um pássaro,
dois sóis, uma pequena estrela.
Falou para que calássemos
e disse amor, penúria, brevidade.
E disse disse disse
a idade da eternidade.

E por vezes as noites duram meses - David Mourão-Ferreira

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

Reminiscência - Eunice Arruda


A menina ficou
atrás

Hoje carrega desejos
E mais peças de roupa
Por sobre
Um corpo todavia
Vertical

Apenas o rosto diz
De fugas
E do vaso
Quebrado e esquecido
No fundo do
Quintal.

Milton Nascimento - Amor de Índio

O estudante empírico - Cecília Meireles


Eu, estudante empírico.
fecho o livro e contemplo.

Eis o globo, o planisfério terrestre,
o planisfério celeste,
o redondo horizonte, a ilusão dos firmamentos.


E a nossa existência.

Eis o compasso, o esquadro,
a balança, a pirâmide,
o cone, o cilindro, o cubo,
o peso, a forma, a proporção, as equivalências.

E o nosso itinerário.

Saem das suas caixas os mistérios:
desenrola-se o mapa dos ossos, com seus nomes;
o sangue desenha sua floresta azul;
cada órgão cumpre um trabalho enigmático:
estamos repletos de esfinges certeiras.

E o nosso corpo.

E os dinossauros são como carros de triunfo,
reduzidos à armação;
e no olho profundo do microscópio
a célula anuncia.

E o nosso destino.

O professor escreve no quadro o Alfa e o Ômega .

A luz de Sírius ainda lança escadas em contínua cascata.
E lentamente subo e fecho os olhos
e sonho saber o que não se sabe
simplesmente acordado.

Grande aula, a do silêncio.

Brisa - Sophia de Mello B. Andresen

Que branca mão na brisa se despede?
Que palavra de amor
A noite de Maio em si recebe e perde?

Desenha-te o luar como uma estátua
Que no tempo não fica
Quem poderá deter
O instante que não pára de morrer?

Pequena flor - Cecília Meireles

Como pequena flor que recebeu uma chuva enorme
E se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotas
Na seda frágil e preservar o perfume que aí dorme.

E vê passarem as leves borboletas livremente,
E ouve cantarem os pássaros acordados sem angústia,
E o sol claro do dia às claras estátuas beijando sente.

E espera que se desprenda o excessivo, úmido orvalho
Pousado, trêmulo, e sabe que talvez o vento
A libertasse, porém a desprenderia do galho.

E nesse tremor e esperança aguarda o mistério transida
- Assim repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
Há um coração nas lânguidas tardes que envolvem a vida.

Finisterrae - Renata Pallottini

Aqui começa o fim
Feito de vento.

Enlouqueceu a bússola
Do tempo.

Naufragam as certezas
Do infinito.

Aqui se acaba o mapa
Nasce o mito.

Aqui começa a morte
Em naves findas .

Aqui começa o medo.
Como um grito.

A louca - Augusto dos Anjos

Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.

Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.

Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
- O segredo d’um peito torturado -

E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

O Plantador de Girassóis - Flora Figueiredo

Lá vai ele semeando azuis.
Passa por terras ácidas,
por marés graves,
que converte em focos de luz.
Deve ter uma orquestra no bolso
e sementes de sol no coração.
A fila cresce:
o que admira,
a que suspira,
a que padece.
O semeador avança,
a orquestra toca,
o mundo, sem querer, entra na dança.
A festa aumenta.
Se a noite ciumenta se apresenta
e em protesto espalha seu negrume,
o semeador derrete a escuridão:
seduz a estrela e acende um vagalume.