Infinito presente - Helena Kolody

No movimento veloz
de nossa viagem,
embala-nos a ilusão
da fuga do tempo.

Poeira esparsa no vento,
apenas passamos nós.
O tempo é mar que se alarga
num infinito presente.

Marcha De Quarta-Feira De Cinzas - Vinícius de Moraes

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou.

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor.

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe.

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz.

Máscara Negra - Zé Kéti e Pereira Matos

Tanto riso, oh quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão

Foi bom te ver outra vez
Tá fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou
Que te beijou, meu amor
A mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval

Simply Red - Holding Back The Years

Canto CXX - Ezra Pound


Tentei escrever o PARAÍSO

Não se mova
Deixe falar o vento
esse é o paraíso.

Deixe os deuses perdoarem
o que eu fiz
Deixe aqueles que eu amo
tentarem perdoar
o que eu fiz.




Esperança - Augusto dos Anjos

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Gente Humilde

Fraternal - Helena Kolody

Meu canto de amor, como bálsamo
Para as cansadas mãos embrutecidas.
e para as tristes vidas deformadas.

Meu canto de amor, envolvente,
A esconder a pobreza disfarçada
De quem finge ter tudo e não tem nada.

Canto em surdina, luar nevando música,
Para a bondade sábia da velhice,
Seu riso de renúncia e de perdão.

Claro canto, impetuoso como o vento,
Para os jovens, que abalam o universo
À força de entusiasmo e de talento.

Meu canto de amor, como os sinos da Páscoa,
Para as crianças, humanidade a ressurgir,
Numa eterna promessa de redenção.

Giuseppe Verdi - La Traviata

Vi passar, num mistério concedido - Fernando Pessoa

Vi passar, num mistério concedido,
Um cavaleiro negro e luminoso
Que, sob um grande pálio rumoroso,
Seguia lento com o seu sentido.

Quatro figuras que lembrando olvido
Erguiam alto as varas, e um lustroso
Torpor de luz dormia tenebroso
Nas dobras desse pano estremecido.

Na fronte do vencido ou vencedor
Uma coroa pálida de espinhos
Lhe dava um ar de ser rei e senhor.

Murilo menino - Murilo Mendes

Eu quero montar o vento em pêlo,
Força do céu, cavalo poderoso
Que viaja quando entende, noite e dia.

Quero ouvir a flauta sem fim do Isidoro da flauta,
Quero que o preto velho Isidoro
Dê um concerto com minhas primas ao piano,
Lá no salão azul da baronesa.

Quero conhecer a mãe-d'água
Que no claro do rio penteia os cabelos
Com um pente de sete cores.

Salve, salve minha rainha,
Ó clemente ó piedosa ó doce Virgem Maria,
? Como pode uma rainha ser também advogada.

Esta é a graça - Henriqueta Lisboa

Esta é a graça dos pássaros:
cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.

Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com nova estrela,
a pátina de ouro do tempo,
alguma cousa de precário
assim como para o soldado a paz?

Com grave mistério de reposteiros
um augúrio dimana, incessante,
do marulho das fontes sob pedras,
do bulício das samambaias no horto.

No ladrido dos cães à vista da lua,
acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero
em busca de tangente inefável.

O mesmo silencio da madrugada
prenuncia, sem dúvida, um evento
que já não é o grito da aurora
ao macular de sangue a túnica.

E minha voz perdura neste concerto
com a vibração e o temor de um violino
pronto a estalar em holocausto
as próprias cordas demasiado tensas.

Canção 56 - Carlos Nejar

Não tiro de minhas retinas,
todos os povos vencidos.
Não tiro nenhuma lágrima,
nenhuma dor, nenhum símbolo.
Toda a fadiga dos mitos
se cristaliza no medo.
Não, não tiro das retinas
o meu povo tão calado.
Nem tiro sequer das gotas
destas pálpebras, o peso.

Esta estrada onde moro - Manuel Bandeira

Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.

Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite
puxada por um bodezinho manhoso.

Nem falta o murmúrio da água,
para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.

Sem sombra e água fresca - Leila Míccolis

O homem mata a mata,
violenta a flora,
polui as fontes,
devasta, agride-as,
e, segundo a mídia,
cria este calor de estufa.
Sem ser orquídea.

As rosas - Sophia de Mello B. Andresen

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

Emily Dickinson

Primeiro Ato é achar,
Perder é o segundo Ato,
Terceiro, a Viagem em busca
Do “Velocino Dourado”

Quarto, não há Descoberta —
Quinta, nem Tripulação —
Por fim, não há Velocino —
Falso — também — Jasão.

Retrato do poeta quando jovem - José Saramago

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história

Antes - Helena Kolody

Antes que desça a noite,
imprimir na retina
os rostos amados,
o sol,
as cores,
o céu de outono
e os jardins da primavera.

Inundar de sons
de vozes
e de música eterna
os ouvidos,
antes que os atinja
a maré do silêncio.

Conquistar
os pontos culminantes
da vida,
antes que se esgote
o prazo da permanência
em seu território sagrado.

A passagem - Lêdo Ivo


Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.