Aceita esta valsa - Take this waltz

 

 Em Viena há dez mulheres belas.
Há um ombro onde a Morte vem chorar.
Há um átrio com novecentas janelas.
Há uma árvore onde morrem as pombas,
quando já não conseguem voar…


Há um pedaço arrancado à manhã
suspenso na Galeria Gelada…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
apesar da boca amordaçada.

Ah, eu quero, quero, quero ver-te
numa cadeira, lendo um jornal sem cor…
Numa gruta na ponta de um lírio,
num atalho onde não foi o amor…

Numa cama onde a Lua suou,
num grito de areia e pegadas…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
cinge-a pela cintura quebrada…

Esta valsa, esta valsa, esta valsa, esta valsa,
com o seu hálito de brandy e Morte,
arrastando a cauda no mar…

Há uma sala de concerto em Viena,
onde a tua boca mil vezes cantou…
Há um bar onde os jovens se calam
porque o blues à Morte os condenou…


Ah, mas quem ousa escalar o teu retrato

com a coroa de lágrimas que acabou de tecer?
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
há tantos anos que ela anda a morrer…

Há um sótão onde brincam as crianças,
breve lá nos amaremos, tem de ser…
num sonho emoldurado por lanternas húngaras,
na neblina doce de um entardecer…

E verei que à tua tristeza acorrentaste
o teu rebanho e os teus lírios de neve…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
com um “não te esquecerei, sabes?”, breve.

E dançarei contigo em Viena
e hei-de ir disfarçado de rio,
um jacinto selvagem no ombro,
e minha boca, lenta, bebendo
nas tuas coxas o orvalho frio.

E sepultarei a alma num velho livro
entre o musgo, lembras-te?, e as fotografias…
e à cheia da tua beleza lançarei
o meu violino barato e a cruz
onde me crucifico todos os dias…

E dançando haverás de levar-me
aos lagos que te brotam dos pulsos…
Meu amor, meu amor,
aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa…
É tua agora. E é tudo.



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