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Duplo - Cláudio Neves

 Eu finjo ser quem fui,
 porquanto assim me seja
 real ser o que frui
 e não quem o deseja.

 Eu tento ser quem era
 somente porque é belo
 e inútil, e desespera
 tentar ser mais do que sê-lo.

 Finjo sempre nesta hora
 de crepúsculo incompleto
 em que duvido se é minha
 a sombra azul que projeto.


Crônica - Cláudio Neves


Nenhuma lâmina corta mais que a do domingo:
      que ela separa
o vento da palmeira, o sol de seu calor
o carro de quem dentro,
o cão
de seu latido.

Nenhuma tão feroz, e tão exata,
e tão moral que ela separa
o tédio do cansaço,
o prestes do irrecuperável,
o som da coisa que lhe é inata.

 Nenhuma tão senhora, embora ainda antes de golpeada:
que ela constrange os objetos,
lhes ameaça o excesso e os conflagra,
que em que não há cortar
é onde mais se farta.

O grito - Cláudio Neves

(sobre um quadro de Munch)

Há sempre um fiorde e uma ponte
 em toda a vertigem humana,
 e sempre essas nuvens em chama
 no som da palavra horizonte.

Há sempre um fiorde, uma ponte,
 dois homens de negro e o louco,
 e curvas no espaço amplo e pouco,
 e ser nesse andrógino instante.

Há sempre dois barcos que somem
 além do fiorde e da ponte
 que brumas tão rubras consomem.

E nesse grito a que ninguém responde,
 há sempre esse eco bifronte,
 esse espaço sem quando, esse tempo sem onde.


Valsa suburbana - Cláudio Neves

No muro a hera,
se calcinada,
se regenera,

e flore tão ela,
tão rente ao que era,
como se não houvesse

na hera a morte,
na morte
a primavera.