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Clarice Lispector

Haverá um ano
em que haverá um mês,
em que haverá uma semana
em que haverá um dia
em que haverá uma hora
em que haverá um minuto
em que haverá um segundo
e dentro do segundo
haverá o não-tempo sagra­do
da morte transfigurada.


Clarice Lispector


E grito: eu sinto, eu sofro, 
eu me alegro, eu me comovo.
Só o meu enigma me interessa.
Mais que tudo, 
me busco no meu grande vazio.


Não sei perder minha vida - Clarice Lispector



Não sei qual a minha culpa, mas peço perdão.
A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não puderam ver.
Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar" ou por não ser alegre
mas coisa que se dá.
Peço perdão por não saber me dá nem a mim mesma,
para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso
mas, peço de novo perdão
não sei perder minha vida.

Clarice Lispector


Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia,
refluindo e fluindo.
Bach é matemático.
Mozart é o divino impessoal.
Chopin conta a sua vida mais íntima.
Schoenberg, através de seu eu,
atinge o clássico eu de todo o mundo.
Beethoven é a emulsão humana em tempestade
procurando o divino e só o alcançando na morte.
Quanto a mim, que não peço música,
só chego ao limiar da palavra nova.
Sem coragem de expô-la.
Meu vocabulário é triste e às vezes
wagneriano-polifônico-paranóico.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere.
Sou uma paisagem cinzenta e azul.
Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

Estrela perigosa


Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.

No obscuro erotismo de vida cheia
nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,
lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excrucitante.
Que medo alegre,
o de te esperar.

Clarice Lispector


Eu, que vivo de lado, 
sou à esquerda de quem entra. 
E estremece em mim o mundo. 


Clarice Lispector



Eu me expresso melhor pelo silêncio.



Clarice Lispector


Minha alma tem o peso da luz. 
Tem o peso da música. 
Tem o peso da palavra nunca dita, 
prestes quem sabe a ser dita. 
Tem o peso de uma lembrança. 
Tem o peso de uma saudade. 
Tem o peso de um olhar. 
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou. 
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.


Dá-me a tua mão - Clarice Lispector


Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector




… alivia minha alma, 
faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha,
faze com que eu sinta que a morte não existe
porque na verdade já estamos na eternidade,
faze com que eu sinta que amar é não morrer,
que a entrega de si mesmo 
não significa a morte e sim a vida,
faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária,
faze com que eu não Te indagues demais,
porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta,
faze com que eu receba o mundo sem medo,
pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados
e nós mesmos também incompreensíveis,
então é que há uma conexão entre esse mistério 
do mundo e o nosso,
mas essa conexão não é clara para nós 
enquanto quisermos entendê-la,
abençoa-me para que eu viva com alegria
o pão que como, o sono que durmo,
faze com que eu tenha caridade 
e paciência comigo mesma, amém.


Não me prendo a nada que me defina – Clarice Lispector



Não me prendo a nada que me defina.
Sou companhia, mas posso ser solidão.
Tranquilidade e inconstância.
Pedra e coração.
Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor,
sarcasmo, preguiça e sono!
Música alta e silêncio.
Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser.
Não me limito, não sou cruel comigo!
Serei sempre apego pelo que vale a pena
e desapego pelo que não quer valer…
Suponho que me entender 
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.

Clarice Lispector

Estou a ouvir música.
Debussy usa as espumas do mar a morrer na areia,
refluindo e fluindo.

Bach é matemático.
Mozart é o divino impessoal.
Chopin conta a sua vida mais íntima.
Schoenberg, através de seu eu, atinge o clássico eu de todo o mundo.
Beethoven é a emulsão humana em tempestade
procurando o divino
e só o alcançando na morte.

Quanto a mim,
que não peço música,
só chego ao limiar da palavra nova.
Sem coragem de a expor.

O meu vocabulário é triste
e às vezes wagneriano-polifônico-paranóico.

Escrevo muito simples e muito nu.
Por isso fere.
Sou uma paisagem cinzenta e azul.
Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

Clarice Lispector

E depois de uma tarde de quem sou eu
E de acordar a uma hora da madrugada em desespero...
Eis que as três horas da madrugada eu me acordei
E me encontrei
Simplesmente isso:
Eu me encontrei calma, alegre
Plenitude sem fulminação
Simplesmente isso
Eu sou eu
E você é você
É lindo, é vasto
Vai durar
Eu sei mais ou menos
O que vou fazer em seguida
Mas por enquanto
Olha pra mim e me ama
Não
Tu olhas pra ti e te amas
É o que está certo.

Clarice Lispector

Cada pedaço de mim
sabe o inferno que é ser
sol em noites de chuva,
ser cor nos cinzas dos edifícios,
ser luz na escuridão das manhãs.

Cada todo de ti sabe a delícia
que é ser flor nas asas do vento,
ser cristal nos olhos das fadas,
ser azul no fundo do mar.

Cada suspiro de nós sabe
a angústia que é ser só um
na multidão dos dias,
ser muito na pobreza da esquina,
ser ninguém na roda da vida.

Enquanto isso os relógios se vão,
e veem aqueles que sabem
o que é apenas ser na
ausência do nada.

A lucidez perigosa - Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
-- já me aconteceu antes.

Pois sei que
-- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
-- essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Eu amo o amor - Clarice Lispector


Eu amo o amor.
O amor é vermelho.
O ciúme é verde.
Meus olhos são verdes.
Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros.
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu.
Eu, implorante, eu a que necessita,
a que pede, a que chora, a que lamenta.
Mas a que canta.
A que diz palavras.
Palavras ao vento?
Que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo .
Eu à beira do vento.
O morro dos ventos uivantes me chama.
Vou, bruxa que sou.
E transmuto ...


Clarice Lispector



Meu tema é o instante?
Meu tema de vida.
Procuro estar a par dele,
divido-me milhares de vezes
em tantas vezes quanto os
instantes que decorrem,
fragmentária que sou e
precários os momentos -
só me comprometo com vida
que nasça com o tempo e
com ele cresça: só no tempo
há espaço para mim.

Meu Deus, me dê a coragem - Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

"PRECISA-SE" - Clarice Lispector



Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito:

precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.