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Mar Alto - Hélio Pellegrino

Esta água é todas as águas,
sem porto, nome ou naufrágio.
Rendada de espuma ao vento,
sem dor nem contentamento.

Esta água — lugar nenhum —
é perdição sem loucura.
Nela se dissolvem mágoa,
memória, tempo, aventura.

Sem lei nem rei, sem fronteiras,
além de verbo e silêncio,
esta é a pátria procurada:
incêndio de tudo — nada.


Plenitude - Hélio Pellegrino


A pedra, o vento, a luz alteada,
o salso mar eterno, o grito
do mergulhão, sob o infinito azul:
— Deus não me deve nada.

La vida es sueño - Hélio Pellegrino


A pedra
a pedra como o fogo
com suas resinas e ramas
a pedra como o fogo
é um sonho
de pálpebras abertas.

O sonho é quando
no veludo íntimo da noite
fogo e pedra se sonham:
— as pálpebras cerradas.



Nostalgia - Hélio Pellegrino

As palavras borbotam
do oco do ser

Onde o pleno
silêncio dos prados?
A insciente dos deuses,
pastagens dos deuses,
onde decorre o gado?



Self - Hélio Pellegrino



As raízes espalmam seus dedos
na ampla redoma azul
as copas verdes cavam seu vazio
nos pulmões da pedra
o céu e a terra
são um do outro seus contrários:
o centro é o centro.

Poema dialético - Hélio Pellegrino


caminho para o dia
__para o centro
deste dia
__para a noite
deste dia
__caminho para a noite
para o centro
__desta noite
para o dia
__desta noite


Lua - Hélio Pellegrino



Ó lua,
sereníssima seda desfraldada
neste painel de fim de tarde:
sombra de um sol oculto

- que arde.

Catacumbas - Hélio Pellegrino

Somos argila, noite
onde os dedos se afundam,
hemorragia de espantoso silêncio
nas galerias do corpo.

O resto,
o resto é pura perda
e transitória insônia.

Árvore - Hélio Pellegrino

Quanto silêncio em tua raiz,
árvore, respiraste,
para chegares a ousar
a doçura que ousaste;
quanta nortada sacudiu,
na fúria rouca de águas bravas,
tua galharia, até que houvesse
esta flor calma em tua haste.


Ars Poética - Hélio Pellegrino

poeta herda
a pura perda

Palavra esquerda
jogada ao vento

Cristal difícil
matéria físsil

Em movimento

O poeta vário
a si contrário

Desfralda o tempo

Duro frumento
consentimento

Na cruz erguida

Flor construída
clarão de luz

Vésper - Hélio Pellegrino

Os poetas praticam
a jardinagem do Universo

Colhem estrelas maduras
no frontispício da tarde

A noite convoca suas doçuras
o alaúde de jasmineiros
a Via Láctea.

Valsa do adeus - Hélio Pelllegrino



Tudo é partida de navio, velas
ao vento, coisas desancoradas
que se desgarram. Este copo, esta pedra
que pronuncio não são palavras, nem
versos de amor, nem o sopro
vivificante do espírito. São barcos
arrastados pelo tempo, cascas
de fruta na enxurrada, lenços
de adeus, enquanto o vapor se afasta,
e de longe ilumina essa ausência que somos.


Relatório Lírico - Hélio Pellegrino

Hoje sonhei contigo. Amanhã
Sonharei contigo. Depois de
Amanhã sonharei contigo, de
Novo. E novamente sonharei
Contigo, depois, e depois,
Enquanto gire a cor dos calendários.
Sonho contigo dia e noite. E te
Cumprimento, apenas, noite e
Dia, e te digo — dia e noite —
As palavras banais de todo o
Dia. Diariamente sofro a tua
Presença, de noite e de dia,
Em todas as horas do dia te
Sonho de noite, e pela noite
Me apareces como o dia — Carmen,
Rosa, poesia, macia flor, feita
De noite e de dia.