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Solidão - Irene Lisboa


Cai chuva, chora.
Chora, chora.
Solidão, solidão!

Já não canta o pássaro.
Calou-se a voz, a alegre, a rara.
A que se ouvia solitária.
Cai chuva.

Não sou freira e estou num convento.
A paz, o silêncio, a chuva, os claustros...
Ser freira!

O sequestro, cantar, rezar.
Cai chuva, rude e sem dor.
Tu não choras.
Sou eu que choro.

Que é do pássaro, como cantava?
Voltou, voltou. Pia!
Bendito pássaro, onde estás?
Acompanha-me, já não chove.
Solidão, melancolia.


Chuva - Irene Lisboa



Chuva nos vidros.
Nada, chuva nos vidros!
Espaçadas, casuais, agudas, oblíquas agulhadas.
Chuva que se anuncia, que apenas se anuncia.
Pingas que vão secando. Se vão arredondando,
tornando imateriais e invisíveis.
Vagas coisas. Como quê?
Como as coisas da minha vida.
Nem já chuva nos vidros...
Já não se veem os sinais.

Outro dia - Irene Lisboa

O melro canta,
e já quase me é indiferente…
Mas sempre é uma voz
que se distingue,
aflautada e fresca,
entre os ruídos ingratos
da manhã:
pregões de jornais,
apitos, carros…
Um vapor parte;
ouve-se aquela sua zoada
sem timbre,
soprada e grave,
falha de harmonia…
Melro, canta!
Tenho o coração murcho
e triste…