Uma mão relampeja na casa da
escrita.
Faísca Troveja.
Procura um claro instante
para a aparição.
Pode-se vê-la correr pelo
dorso do papel,
deitada do seu lado ou do seu
modo rastejante,
pode-se vê-la provando o
ruminante delírio das palavras,
a sua rasante arrumação,
e leva vozes aquela mão em
cada delicada passagem,
rítmica, latejante
ou um nervo animal que faz
lembrar
a textura pedestre do papel.
Mas a mão voa, explosiva,
e não cai nem agoniza no
espaço vibrante onde se comunica.
Voar é um fervoroso
recolhimento.
E no que é quase a medida
elementar do esquecimento
a escrita navega
num estuário de silêncio.
Escrever é uma droga antiga,
uma bebedeira que queima com
lentidão
a cabeça,
traz as luzes desde as
vísceras,
o sangue a ferver nas vias
tubulantes,
traz a natureza estimulante
das paisagens
que temos dentro.”
...
Ocorre-me agora
a pupila minúscula de uma
criança.
A sua engenharia
desde o corpo na guerreira
pequenez
ao dedo provador da boca.
Ocorre-me esta criança
este monge da franqueza em
seu templo de inocência.
Amo-a. Vivo-a.
Voar é poder amar uma
criança.
Sonhar-lhe o peso no colo, as
mãos acariciantes
sobre a palma da alma.
Voar é tardar a boca
na rosa do rosto de uma
criança.
Pronunciar-lhe a ternura,
a seda fresca e pura
da sua infância.
Voar é adormecer o homem
na mão sonhadora
de uma criança.