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O destino - H. Dobal



No campo do azul vem o verão
plantar as suas nuvens.

Na cidade imperfeita
vem o dia
plantar a sua luz:
No mármore morto
dos viadutos.
No verde novo
depois das chuvas.
Na cinza que ameaça os monumentos.

Num lance de dados se planta o destino.
O destino: a previsão da náusea dos espaços.
O destino
destruidor de nuvens.
O destino
levando vantagem.


Campo maior - H. Dobal



Ai campos do verde plano
todo alagado de carnaúbas.
Ai planos dos tabuleiros
tão transformados tão de repente
num vasto verde num plano
campo de flores e de babugem

Ai rios breves preparados
de noite e nuvem. Ai rios breves
amanhecidos na várzea longa,
cabeças d’água do Surbim
no chão parado dos animais,
no chão das vacas e das ovelhas.

Ai campos de criar. Fazendas
de minha avó onde outrora
havia banhos de leite. Ai lendas
tramadas pelo inverno. Ai latifúndios.

O voo - H. Dobal



Dói o domingo
no ninho dos tédios.

Dói o verão:
esta pele seca
estirada
sobre os ministérios vazios.

Dói o clube
dos domingos.
Dói o rito
dos domingos:
o amargo esporte
de viver.
O amargo esporte
de esquecer.

Dói a divisão da vida:
o pão subtraído,
o peixe poluído,
a paz envenenada.

Dói o voo cortante desta tarde.

Homo - H. Dobal

Sua razão de vida o homem vê minguando
a cada dia. Mas duro recomeça
como se o tempo lhe sobrasse. E vagaroso
não conta as eras que se extinguem.
Nem conta a solidão dos dias claros
se desdobrando iguais como esquecidos
de mudar. Nem a distância
que o grito não transpõe, a passagem da vida
cumprida só em mínimos desejos.
Sua lástima no piar das nambus, sóbrio
se esquiva às armadilhas da tarde.
A incerteza nos paióis, o chão batido
em que levanta a casa, o amor
como a água das cabaças.
Lavrador do milho e do feijão, sua frugal colheita
em gleba alheia. Passa-lhe a vida,
e queima o céu com a cinza de suas roças.

Os cavalos da noite - H. Dobal

Os cavalos da noite galopando
de crinas soltas contra a luz da lua
eram fantasmas breves dominando
os sonhos de um menino solitário.

Um menino sem forças contra a noite
sonhava os seus cavalos assustados
e se inventava cavaleiro andante
dono dos seus caminhos pela vida.

Campeava as distâncias descuidado
e armado pelo sono ia amansando
no coração da treva os seus temores.

E revivia a noite no mistério
dos árdegos cavalos renovando
o seu campo de sonho solitário.

As chuvas - H. Dobal



Nas mãos do vento as chuvas amorosas
vinham cair nos campos de dezembro,
e de repente a vida rebentava
na força muda que as sementes guardam.

Nas ramas verdes rebentava a luz
e a doçura do tempo transformava
a terra e o gado na pastagem tenra,
na alegria dos rios renovados.

Cheiro de mato e de currais suspensos
no ar que os dedos do inverno vão tecendo
mais uma vez nos campos de dezembro.

E nos trovões a tarde acalentada,
cantigas de viver que a chuva traz
numa clara certeza repetida.

Chuva - H. Dobal


A chuva cata segredos
nas folhas vivas da tarde.
O leve passar do vento,
o lento passar do tempo
nas folhas vivas da tarde.
E a chuva a chuva,
as águas doces da chuva,
no lento apodrecer
das folhas mortas da tarde
vão despertando os segredos da vida.