Mostrando postagens com marcador Menotti Del Picchia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Menotti Del Picchia. Mostrar todas as postagens

Noite - Menotti Del Picchia


As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.

Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.


O voo - Menotti Del Picchia


Goza a euforia do voo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu voo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão, se pressentires que amanhã estarás mudo, esgota,
como um pássaro, as canções que tens na garganta.

Canta! Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um voo no tempo.
Rumo do céu?
Que importa a rota?
    Voa e canta, enquanto resistirem as asas.



Poemas do vento - Menotti Del Picchia


Gastar-se no tempo
diluir-se no vento
evolar-se no sonho
deixando
- haverá quem o colha? -
um resíduo...

Memória.

Levarei por onde ande
uma inquietação mais nada
impulso vital que extingo
dentro de um pouco de lama.

Tal que o vento que baila
fazendo seu corpo efêmero
com a poeira das estradas...

Máscaras - Menotti Del Picchia

Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma
dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma!

Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho,
pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho!

Nessa duplicidade o amor todo se encerra:
um me fala do céu... outro fala da terra!

Eu amo, porque amar é variar, e em verdade
toda a razão do amor está na variedade...

Penso que morreria o desejo da gente,
se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente,

porque a história do amor pode escrever-se assim:
Um sonho de Pierrot... E um beijo de Arlequim!

Banzo - Menotti Del Picchia

E por que deixou na areia do Congo
a aldeia de palmas;
e porque seus ídolos negros
não fazem mais feitiços;
e porque o homem branco o enganou com missangas
e atulhou o porão do navio negreiro
com seu desespero covarde;
e porque não vê mais de ânfora ao ombro
a imagem do conga nas águas do Kuango,
ele fica na porta da senzala
de mão no queixo e cachimbo na boca,
varado de angústia,
olhando o horizonte,
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.