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Angústia - J.G.de Araujo Jorge


Há uma estranha beleza na noite!
Há uma estranha beleza !
Oh, a transcendente poesia
que verso algum traduz...

A via-láctea, inteiramente acesa
parece a fotografia
de um tufão de luz !

- Quem seria,
quem seria
que pregou lá no céu aquela imensa cruz?

Que infinita serenidade...
Que infinita serenidade misteriosa
nesse infinito azul dos céus e em tudo mais:
nos telhados, nas ruas, na cidade...

( Só os gatos gritam na noite silenciosa
sensualíssimos ais !)

Meu Deus, que noite calma... E aquela trepadeira
feminina e ligeira
veio abrir bem na minha janela
uma flor - como uma boca rubra e bela
que não terei...

- E ainda sinto nos lábios um travo nauseante
do amor que faz bem pouco, há apenas um instante,
paguei...

E o céu azul assim... E essa serenidade!
Silêncio - A noite, o luar ... Tão claro o luar lá fora...
Juraria que há alguém, não sei onde que chora...

Oh, a angústia invencível que me prostra
invade
e me devora ...


A vida - J.G.de Araujo Jorge

"... A vida é assim, segue e verás, - a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida...

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida...
- amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida...

A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança...

E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!..."


Amo! - J. G. de Araujo Jorge

 
Amo a terra ! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

 
Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

 
Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

 
Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo - amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!


Felicidade - J.G.de Araujo Jorge


Se ele pudesse,
chamaria todas as árvores e todos os pássaros
para que o ouvissem,
conversaria com o Dia e conversaria com a Noite,
e casaria o Sol com a Terra,
e pediria ao mar suas espumas
ao espaço as suas brumas,
às árvores suas flores
ao céu as suas estrelas
para tecer o imenso véu...

E pediria ao mundo um pouco de silêncio
e pediria ao céu que descesse um pouquinho
do céu...


Balada da Chuva - J.G.de Araujo Jorge



A tarde se embaça: - um pingo, outro pingo
respinga um respingo de encontro à vidraça;
um pingo, outro pingo, e a chuva aumentando
e eu nada distingo,- respinga um respingo
tinindo, cantando de encontro à vidraça

A noite esta baça e a chuva enervante
batendo, batendo, constante, cantante
de encontro à vidraça

A terra se alaga o céu se nevoa,
e a chuva é uma vaga fininha, descendo,
parece garoa!
parece fumaça!
- e as águas subindo e as poças subindo
e a chuva descendo e a chuva não passa!

O dia surgindo, manhã turva e baça.
A chuva fininha miudinha, miudinha,
parece farinha lá fora caindo,
através da vidraça.

A tarde está escura, a noite está baça,
e as brumas de um tédio
de um tédio sem cura
talvez sem remédio
minha alma esfumaça:

- um dia, outro dia e os dias passando
em lenta agonia segunda a domingo;
um pingo, outro pingo,respinga um respingo,
batendo, cantando, mil dedos tocando
de encontro à vidraça...
-que chuva! que chuva!
e a chuva não passa!

Constante, cantante caindo distante
nas folhas molhadas,
nas poças paradas despidas e nuas,
e murmurejante rolando nas ruas;
-um pingo, outro pingo
na lata cantando goteira se abrindo
pingando, pingando
batendo, batendo
tinindo, tinindo

parece um tinido, de taça com taça,
e a chuva chovendo
e a chuva não passa!

O vento nas folhas de leve perpassa,
e as gotas nos fios rolando, escorrendo
lá fora estou vendo através da vidraça,
- que dias sem alma!
- que noites um graça!
e a chuva, que calma!
chovendo, chovendo
não passa! não passa!

A terra está envolta nas brumas de um véu,
de um véu de viúva que o dia escurece,
e a noite enfumaça.

- E' a chuva que chove, e do alto se solta
descendo, descendo, rolando, escorrendo
nos olhos do céu...
Nos olhos do céu e no olhar da vidraça!

-que chuva! que chuva! parece um dilúvio,
quem sabe? - parece que a chuva não passa!

Sol... e Chuva... J.G.de Araujo Jorge

Gosto desses dias molhados, de chuva miúda, de chuva fina
chuva boa,
de névoa, de garoa,
em que a gente não sente a obrigação de ser feliz,
e fica em si mesmo à-toa...

Basta a gente ficar onde está, nada mais, é tudo que se quer,
vendo a chuva cair, a chuva caindo,
ficar sentado, acomodado, num lugar qualquer
ouvindo o rumor da chuva, ouvindo.
ouvindo.

Dias que não pedem nada, que não exigem nada, que não incomodam,
em que a gente fica em casa, sem necessidade
de companhia, de ter alguém,
basta essa sensação que agora é minha...
Oh, a paz, essa felicidade impessoal, perfeita
que consegue ser feliz sozinha...

( Como doem certos dias de sol, de tanta alegria!)
Dias exigentes que gritam por felicidade, que reclamam vida e emoção
e que encontram às vezes a gente tão só
no meio de tanta gente,
tão só e desprevenido
sem saber que fazer - meu Deus! - do coração!

Dias de sol que derrubam a gente,
que maltratam a gente, passam por cima,
da gente
sem piedade,
tontos, deslumbrados,
e se vão a cantar uma felicidade
por todos os lados,
uma felicidade de bola de cristal, inexistente,
sem ver que ficamos no chão, como indigentes
abandonados...

Ah! gosto desses dias assim, de olhos embaciados, cinzentos,
de chuvinha mansa, de chuvinha boa,
que não perturbam o coração
que descansam a vista;
que, no máximo, esperam que a gente se sinta bem,
e nos deixam em paz, sem nada, nem ninguém,
- só isto!

Nesses dias, humilde e só, um pouco egoísta
talvez,
- existo...


Pôr - do - Sol - J.G.de Araujo Jorge

Pelo vão da janela escancarada
Tenho os olhos pousados no horizonte,
Até que atrás da serra o luar desponte
Na noite só de estrelas pontilhada...

Lá em baixo – como a fita de uma estrada
Sob a arcada mourisca de uma ponte,
As águas cristalinas de uma fonte
São o espelho da tarde iluminada...

Há chilreios na sombra do arvoredo
E no ouvido das árvores, passando,
O vento diz baixinho algum segredo...

Multiplicam-se as sombras nas quebradas
E as nuvens lembram na distância, um bando
De pétalas de luz, ensanguentadas!

Vermelho e Branco - J.G.Araujo Jorge

O sangue vermelho
do homem branco,
do homem preto,
do homem amarelo,
o sangue é vermelho,
é um sangue só.

O leite branco
da mulher branca,
da mulher preta,
da mulher amarela,
o leite é branco,
é um leite só.

Deus pôs por dentro de homens
e mulheres
de aparências tão diferentes,
uma humanidade só:
o mesmo anseio, a mesma fome,
o mesmo sonho, o mesmo pó;
o mesmo sangue vermelho,
da cor da vida, da cor
do amor,
e mais:
o mesmo leite branco,
da cor da paz.

As Chaves - J.G.de Araujo Jorge

Felizes os homens que têm as chaves
porque só encontram portas abertas...
Como podem tantos homens dormir sossegados e felizes
de portas fechadas,
quando essas portas se fecham para tantos homens
que ficam sempre ao relento
e nunca podem entrar?

Neste mundo de tantas portas,
quando teremos cada um, a sua chave,
e a sua hora de voltar?...