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Paisagem N.º 1 - Mário de Andrade

Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio...
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas...
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!...
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.

Passa um São Bobo, cantando, sob os plátanos,
um tralálá... A guarda-cívica! Prisão!
Necessidade a prisão
para que haja civilização?
Meu coração sente-se muito triste...

Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento...

Meu coração sente-se muito alegre!
Este friozinho arrebitado
dá uma vontade de sorrir!

E sigo. E vou sentindo,
à inquieta alacridade da invernia,
como um gosto de lágrimas na boca...


Luar do Rio - Mário de Andrade

Olha o balão subindo!
Mas quem foi o louco varrido
Que em novembro se lembrou de o soltar!

- É o luar, é o luar!

E as casas! Olha os arranha-céus,
Parece que estão se movendo,
Com tantas janelas a chamar?...

E este céu cor-de-cinza,
E este mar cor-de-prata,
E o Cristo do Corcovado!
Olha! Parece um palhaço,
Parece um filósofo, parece até Cristo mesmo
erguido no altar?...

E estas minhas mãos inquietas,
E o vento alcoolizado,
E as carícias das ilhas...

E as narinas cheirando ofegantes,
E essa vela das praias do norte,

E um desejo de falar besteira,
De dançar por aí feito maluco,
Esquecido de amar?...

É o luar, é o luar!

É o luar que inventa novas árvores e morros,
Vence as luzes da enorme cidade,

Vence a noite, vence os homens,
Vence as tristezas e os mandos do mundo...

Não acredita, não, José Correia,
Que vais te perder, e esquecer, feito estátua,
A última dor multissecular.

Descobrimento - Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De sopetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei lá no norte, meu Deus!
[muito longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro de cabelo escorrendo nos olhos
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu...