No meio do rio, eu via a pedra.
A única naquela extensão azul de água,
o pico negro erguido em inesperada fragilidade na solidão.
Eu não tinha instrumentos para caminhar até ela, a pedra,
tomá-la nos braços,
por um instante debruçar minha ternura
sobre seu isolamento
num absurdo desejo que em sua insensibilidade de coisa
ela se fizesse sensível e, assim suavizada,
contivesse o desespero amparando-se em mim.
Por que ela se perdia assim
e assim se assumia e se cumpria em pedra,
dona de si mesma, dispensando qualquer afeto,
qualquer comunicação?
Ela se bastava.
Parecia já ter ido além da própria estrutura
num lento inventariar do mundo ao redor,
como se seu pico tivesse olhos e esses olhos
projetassem indagações em torno, avançando nas descobertas,
constatações se fazendo certezas.
E como se seu isolamento fosse deliberado,
como se já não acreditasse em mais nada
e tivesse escolhido o amparo apenas das águas,
a precária proteção do azul _ como se tivesse escolhido o vento,
a erosão, os vermes, os musgos que a roíam devagar.
Assim, da mesma forma como outros escolhem o apoio das pessoas
ou a nudez do campo, ela escolhera o desafio da entrega.
O despojamento de ser, insolucionada e completa em suas fronteiras:
pedra porque pedra fora, era e seria num sempre que a sustentava,
frágil e absoluta.