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Pássaros - Miguel Reale

 Nos meus poemas não há pássaros
aflitos dentro dos versos,
bicos metidos entre as rimas
na angústia dos voos livres.

Amo as aves revoluteando no ar
a liberdade em plena luz,
que não é querer nem cogitar
mas a forma mesma do corpo.

Asas irrequietas receosas
inconstantes buliçosas
o que voam são os olhos
acesos desconfiados vigilantes
perscrutando inimigos, vítimas, distâncias,
adivinhando flores antevendo ninhos.


À procura - Miguel Reale

Tanto cuidei das coisas deste mundo
buscando para os outros um caminho
que me sinto perplexo e sem rumo
à espera de uma curva e de um ninho.

Em que pedra encostar minha cabeça
na ilusão do travesseiro fofo?
Feliz seria nunca mais ter pressa
fitando o perto e o longe do horizonte!

Talvez o velejar das tentativas,
buscando em vão um porto, seja o sino
que esperava escutar em meu destino.

mas que me vale a rosa azul dos ventos
nessa aventura pelo mundo afora
se minha sina só a percebo agora?
 
 

A alegria - Miguel Reale

A alegria é uma asa
Sem o pássaro,
Uma chama que abrasa
Sem sopro.

A água corrente livre
Sem destino
Um chamado que se ouve
Sem o sino.

De repente ela chega
E é um manto estendido
Todo azul.

De repente ela some,
E é um canto disperso
Rumo ao sul.

A Poesia - Miguel Reale

A poesia é pena sem castigo
ou remorso sem sombra de pecado,
um amor solidário a toda gente
que dói desde a medula de teus ossos.

Poesia é um cantinho solitário
ou espuma de existência transbordante,
uma pluma que beija o cotidiano
ou uma chaga de luz não sei de onde.

Poesia é o caminho para o exílio
com saudade da terra de partida
quanto mais perto a terra prometida,

mas é também o derradeiro auxílio
que nos torna melhores de repente
ao percebermos que ela é a semente.

O mistério do tempo - Miguel Reale

Foi numa tarde fria de geada
que ele chegou, o monge da caverna.
Sentou-se em seu lugar, o lugar certo,
e em torno dele outros pés chegaram.

O silêncio do claustro iluminou-se,
os mantos se movendo suavemente:
em cânticos de pássaros bailando
incendeu-se o velame para a noite.

E de repente os mantos foram velas
acesas no seu rumo. Ninguém vira
a monja reclinada na penumbra.

Estava desde o início: ela era o início,
a monja em seu manto de neblina
na transparência das vencidas noites.