Navegação - Cecília Meireles


Éramos feitos de um leite casto,
repleto de suspiros.

Feitos de canções docemente entoadas
sob vagas iluminações.

De brinquedos poéticos, sob estrelas,
em varandas e laranjais.

Tínhamos olhos cheios de flores e pássaros,
a boca de preces, a testa de beijos.

Pisávamos no mundo com leveza de anjo,
e iríamos, certamente, para além do horizonte.

Escolhíamos as palavras de dizer, com grande enlevo,
porque falar já era ser.

Amávamos na viagem a estrela que ia na proa
tanto como a espuma que nos fugia.

Com tantos ontens e amanhãs, não combatíamos pelo hoje.
Ele ia sendo por si, harmonioso, entre uns e outros.

E éramos tudo, divinamente, com gracioso esquecimento.
E nem tomávamos, porque éramos de dar.

Assim morremos, dos contrastes que matam os homens.


Um comentário:

  1. Este poema de Cecília Meireles me intriga,chega a ser ressonante... Eu já li várias vezes e me encontrei nele na divisão de dois mundos :O de ontem e o de hoje,embora caminhem paralelamente.

    Uma linda semana prá você Nádia.

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