Quando Anoitece - Graça Pires

Quando anoitece
 contorno no meu rosto
 o perfil do dia que passou
 e tudo o que não sou
 me contradiz.

 Quando anoitece
 atravesso um labirinto
 caiado de paixão,
 pretexto circular
 da minha fé.

 Quando anoitece
 faço emergir do abismo
 um instinto quase secreto
 e fujo da noite,
 em vertiginosa simetria com o vento,
 como se fosse um equívoco
 esperar a madrugada
 com a mesma lentidão
 de um acto íntimo.

 Contra um muro branco
 esta lonjura gémea do vento.

 Uma casa ou um regaço
 alternando a desordem
 de corpos molhados
 numa dicotomia simulada
 quando o prazer
 é o reflexo nítido
 de um coágulo de azul
 queimado sobre madrepérolas.

 São corais que no fundo da água
 não quebram as vagas silvestres.

 Nasci agora
 enquanto uma andorinha
 baloiçava no espelho
 atravessado de pólen.

 Sou, sílaba por sílaba,
 o luto ou a negação
 de desumanos deuses.

 Quando anoitece...




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