Que me quer a memória, a costureira?
Vale-se de meus dedos para sonhar,
e quando acordo mal me vejo.
Que me quer com retalhos
de um manto que nunca usei?
Vale-se de meu sonho para o trajar.
Quem pula em meu quintal às horas mortas
e me põe trêmula ogiva sob a pálpebra,
coração de um azul que não pedi?
Quem se finge morrer, para cerzir
na sombra a própria sombra - e some
à prima luz?
Quem costura alta noite, quem pedala
as correias à ré, e me abandona
às figuras de gelo?
A costureira com seus figurinos
volta páginas e páginas, num contínuo
desfile de moldes agulhados.
Que me quer a mulher? Gargareje
seus préstimos, quando queira,
só não me assalte o escasso tempo
que me costuro eu mesmo enquanto esqueço
o som da máquina extinta, e me recreio
com o corpo que tenho e o sopro ausente.
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