Deusa dos olhos volúveis
pousada na mão das ondas:
em teu colo de penumbras,
abri meus olhos atônitos.
Surgi do meio dos túmulos,
para aprender o meu nome.
Mamei teus peitos de pedra
constelados de prenúncios.
Enredei-me por florestas,
entre cânticos e musgos.
Soltei meus olhos no elétrico
mar azul, cheio de músicas.
Desci na sombra das ruas,
como pelas tuas veias:
meu passo — a noite nos muros —
casas fechadas — palmeiras —
cheiro de chácaras úmidas —
sono da existência efêmera.
O vento das praias largas
mergulhou no teu perfume
a cinza das minhas mágoas.
E tudo caíu de súbito,
junto com o corpo dos náufragos,
para os invisíveis mundos.
Vi tantos rostos ocultos
de tantas figuras pálidas!
Por longas noites inúmeras,
em minha assombrada cara
houve grandes rios mudos
como os desenhos dos mapas.
Tinhas os pés sobre flores,
e as mãos presas, de tão puras.
Em vão, suspiros e fomes
cruzavam teus olhos múltiplos,
despedaçando-se anônimos,
diante da tua altitude.
Fui mudando minha angústia
numa força heróica de asa.
Para construir cada músculo,
houve universos de lágrimas.
Devo-te o modelo justo:
sonho, dor, vitória e graça.
No rio dos teus encantos,
banhei minhas amarguras.
Purifiquei meus enganos,
minhas paixões, minhas dúvidas.
Despi-me do meu desânimo —
fui como ninguém foi nunca.
Deusa dos olhos volúveis,
rosto de espelho tão frágil,
coração de tempo fundo,
— por dentro das tuas máscaras,
meus olhos, sérios e lúcidos,
viram a beleza amarga.
E esse foi o meu estudo
para o ofício de ter alma;
para entender os soluços,
depois que a vida se cala.
— Quando o que era muito é único
e, por ser único, é tácito.
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