Os barcos nascem como
nascem dores.
E chegam como pássaros ao
céu,
como flores do chão. São
mensageiros.
Vêm na crista dos astros,
vêm de ventres
por onde rolam rastros de
cantigas
de antigas barcarolas
estaleiras.
Trazem na proa audácias e
esperanças,
as cismas e os assombros
nos porões.
A mão que os faz, humana,
os não perfaz,
apenas segue, tímida, ao
comando
de vozes nascituras que
lhe chegam
da boca dos martelos e das
ripas.
A si mesmos se fazem, pelo
mando
de voz sem boca: os barcos
são auroras.
Despejam-se na foz de
águas escuras.
Contudo, chegam sempre de
manhã.
Chegam antes, alguns.
Outros são póstumos.
Há os que não chegam
nunca: naufragaram
nas primícias do rio.
Tantos mastros
se vergam na chegada,
outros se racham.
Partem-se popas, lemes, em
pelejas
imaginárias contra
calmarias.
Uns são velozes, zarpam
mal-chegados,
outros são lerdos, de
hélices sem sonhos.
Há barcaças nascidas para
as idas
ao oco dos mistérios, há
as que trazem
lendas futuras presas ao
convés,
as que guardam nos remos
os roteiros
de grandes descobertas e
as que vêm
para vingar galeras
soçobradas.
Há as que já chegam
velhas, sem navego.
O mar, sempre desperto,
espreita e espera
a todos, e de todos se
acrescenta.
Para barcos se fez o mar
amargo
e fundo, sobretudo se fez
verde.
O mar nem sempre os quer.
O mar se tranca
frequentemente a barcos, e
os roteiros
marítimos se encantam em
lajedos,
estraçalhando quilhas e
calados.
O coração das caravelas
viaja
desfraldado nos mastros,
invisível
bandeira também bússola.
Altaneiro,
ele surpreende, quando
manso, as rotas
que se desenham longes
sobre o mar.
Sextante é o coração, que
escuta estrelas,
que antes de erguer as
âncoras demora-se
em concílio amoroso com os
ventos.
O coração comanda. Manda e
segue.
E, à sua voz, os barcos
obedecem
e avançam, confiantes,
pois dos mastros
as velas vão surgindo, vão
crescendo
como cresce uma folha de
palmeira,
às manobras da brisa
sempre dóceis.
De caminhos de barcos sabe
o mar.
Os ventos é que sabem dos
destinos.
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