Eu amo o amor - Clarice Lispector

Eu amo o amor.
O amor é vermelho.
O ciúme é verde.
Meus olhos são verdes.
Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros.
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu.
Eu, implorante, eu a que necessita,
a que pede, a que chora, a que lamenta.
Mas a que canta.
A que diz palavras.
Palavras ao vento?
Que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo .
Eu à beira do vento.
O morro dos ventos uivantes me chama.
Vou, bruxa que sou.
E transmuto ...
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Clarice Lispector
Ar Noturno - Vladimir Maiakóvski
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
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O seu santo nome - Carlos Drummond de Andrade
Não facilite com a palavra amor. Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
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Vermelho e Branco - J.G.Araujo Jorge
O sangue vermelhodo homem branco,
do homem preto,
do homem amarelo,
o sangue é vermelho,
é um sangue só.
O leite branco
da mulher branca,
da mulher preta,
da mulher amarela,
o leite é branco,
é um leite só.
Deus pôs por dentro de homens
e mulheres
de aparências tão diferentes,
uma humanidade só:
o mesmo anseio, a mesma fome,
o mesmo sonho, o mesmo pó;
o mesmo sangue vermelho,
da cor da vida, da cor
do amor,
e mais:
o mesmo leite branco,
da cor da paz.
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Ouço uma fonte - Augusto Frederico Schmidt
Ouço uma fonteÉ uma fonte noturna
Jorrando.
É uma fonte perdida
No frio.
É uma fonte invisível.
É um soluço incessante,
Molhado, cantando.
É uma voz lívida.
É uma voz caindo
Na noite densa
E áspera.
É uma voz que não chama.
É uma voz nua.
É uma voz fria.
É uma voz sozinha.
É a mesma voz.
É a mesma queixa.
É a mesma angústia,
Sempre inconsolável.
É uma fonte invisível,
Ferindo o silêncio,
Gelada jorrando,
Perdida na noite.
É a vida caindo
No tempo!
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Histórias do vento - Adalgisa Nery
O vento veio correndoAssoviando, gritando
Que vira a lua nascendo,
Que vira a estrela brilhando,
Que o beija-flor vira voando,
Que vira o rio cantando
E o fruto amarelando.
Que vira o orvalho caindo
Sobre a relva e sobre a flor,
Que vira a abelha zumbindo
Dentro das pétalas em cor.
Que vira a semente no chão,
Nas águas, o peixe mudo,
O pastor tangendo as ovelhas
Cantando por nada e por tudo.
O vento veio correndo,
Assoviando, cantando
Que vira o mais belo do mundo:
Uma criança nascendo,Uma criança brincando,
Uma criança sorrindo, vivendo,
Uma criança cantando.
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Leitura Natural - Affonso Romano de Sant’Anna
Tendo lido os jornais- infectado a mente, enauseado os olhos -
descubro, lá fora, o azul do mar
e o verde repousante que começa nas samambaias da sala
e recrudesce nas montanhas.
Para que perco tantas horas do dia
nessas leituras necessárias e escarninhas?
Mais valeria, talvez, nas verdes folhas, ler
o que a vida anuncia.
Mas vivo numa época informada e pervertida.
Leio a vida que me imprimem
e só depois
o verde texto que me exprime.
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Affonso Romano de Sant’Anna
Ramo em flor - Hermann Hesse
Para cá e para lásempre se enclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.
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Canção - Cecília Meireles
Não te fies do tempo nem da eternidade,que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
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Não basta abrir a janela - Alberto Caeiro / Fernando Pessoa
Não basta abrir a janelaPara ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também
Não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores:
Há idéias apenas.
Há só cada um de nós.
Há só uma janela fechada,
E todo o mundo lá fora;
E um sonho do que poderia
Ver, se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê
Quando abre a janela.
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Verdes são os campos - Luís Vaz de Camões
Verdes são os campos,De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
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Último poema do marinheiro - Thiago de Mello
O marinheiro encontrou o seu caminho no mar. Mas uma noite, de repente,
o mar foi vazando, vazando,
até que secou completamente.
Seu barco, solitário
sobre o fundo do abismo,
torna-se uma coisa grotesca e sem sentido.
Estrangeiro entre os homens da terra,
caminha o marinheiro por estradas inúteis,
levando nos olhos um mistério verde
e na boca o amargor de tanto sal.
Contudo, nas noites de muito vento,
debruça-se na murada do tempo
e, enquanto espera o retorno do mar,
inaugura caminhos de cinza e de nada.
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Teologal - Adélia Prado
Agora é definitivo:uma rosa é mais que uma rosa.
Não há como deserdá-la
de seu destino arquetípico.
Poetas que vão nascer
passarão noites em claro
rendidos à forma prima:
a rosa é mística.
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Cântico II - Cecília Meireles
Não sejas o de hoje. Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
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Canto esponjoso - Carlos Drummond de Andrade
Belaesta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfêmia.
Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.
Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.
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Nuvens correndo num rio - Natália Correia
Nuvens correndo num rioQuem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe. Natália Correia
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Moro na possibilidade - Emily Dickinson
Moro na possibilidade Casa mais bela que a prosa,
Com muito mais janelas
E bem melhor, pelas portas
De aposentos inacessíveis
Como são, para o olhar, os cedros,
E tendo por forro perene
Os telhados do céu
Visitantes, só os melhores;
Por ocupação, só isto:
Abrir amplamente minhas mãos estreitas
Para agarrar o paraíso. Emily Dickinson
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Asas e Asares - Paulo Leminski
Voar com a asa ferida?Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno,
quando o tempo
estava todo ao meu lado
e o que se chama passado, passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher entre um abismo,
o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde.
Voar, isso não dói.
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