Além de mim, quero apenas
essa tranqüilidade de campos de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.
Além de mim
– e entre mim e meu deserto –
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto do meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.
Assovio - Cecília Meireles
Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.
Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.
Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
- a dor que os homens me deram.
e a canção que Deus me deu.
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.
Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.
Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
- a dor que os homens me deram.
e a canção que Deus me deu.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
Nádia Dantas
música na tarde
o canto e encanto dos pássaros
anunciam paz.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Nádia Dantas
Contusão - Sylvia Plath
A cor invade o lugar, púrpura baça.
O resto do corpo está todo pálido,
Cor de pérola.
Numa fenda de rocha
O mar suga obsessivamente,
Uma cavidade o âmago de todo o mar.
Do tamanho de uma mosca,
A marca do destino
Rasteja muro abaixo.
O coração se fecha.
O mar reflui,
Os espelhos são cobertos.
O resto do corpo está todo pálido,
Cor de pérola.
Numa fenda de rocha
O mar suga obsessivamente,
Uma cavidade o âmago de todo o mar.
Do tamanho de uma mosca,
A marca do destino
Rasteja muro abaixo.
O coração se fecha.
O mar reflui,
Os espelhos são cobertos.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Sylvia Plath
Magnificat - Álvaro de Campos (F.Pessoa)
Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia !
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Fernando Pessoa
Canção de ninar - Helena Kolody
(para uma criança da favela)
Criança, és fio d'água
Triste desde a fonte.
Humilde plantinha
Nascido em monturo:
Quanta ausência mora
Nesse olhar escuro!
Recosta a cabeça
Na minha cantiga
Deixa que te envolva,
Que te beije e embale.
Criança, és fio d'água
Triste desde a fonte.
Humilde plantinha
Nascido em monturo:
Quanta ausência mora
Nesse olhar escuro!
Recosta a cabeça
Na minha cantiga
Deixa que te envolva,
Que te beije e embale.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Helena Kolody
Canção na janela - Lya Luft
Há pouco emergi
da mornidão do sono.
Pensei flutuar:
onde termina minha vida
e começa o mar?
Tudo ao meu redor são dois
cristais reverberando.
Meu destino me contempla
indagador:
nesta imensidão
sou um capim perfumado
que balança, a um tempo
susto e chamamento
-pronta para me desfazer
em outra alma.
da mornidão do sono.
Pensei flutuar:
onde termina minha vida
e começa o mar?
Tudo ao meu redor são dois
cristais reverberando.
Meu destino me contempla
indagador:
nesta imensidão
sou um capim perfumado
que balança, a um tempo
susto e chamamento
-pronta para me desfazer
em outra alma.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Lya Luft
Instante - Carlos Drummond de Andrade
Uma semente engravidava a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite.
Perdia amor seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava um coice,
mas tão delicioso, que a ferida
no peito transtornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.
A manhã sempre-sempre, e dociastutos
eus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços.
E o que mais, vida eterna, me planejas ?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento.
Era o dia nascendo, em vez da noite.
Perdia amor seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava um coice,
mas tão delicioso, que a ferida
no peito transtornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.
A manhã sempre-sempre, e dociastutos
eus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços.
E o que mais, vida eterna, me planejas ?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade
O bom pastor - Vinícius de Moraes
Amo andar pelas tardes sem som, brandas, maravilhosas
Com riscos de andorinhas pelo céu.
Amo ir solitário pelos caminhos
Olhando a tarde parada no tempo
Parada no céu como um pássaro em vôo
E que vem de asas largas se abatendo.
Amo desvendar a vaga penumbra que desce
Amo sentir o ar sem movimento, a luz sem vida
Tudo interiorizado, tudo paralisado na oração calma...
Amo andar nessas tardes...
Sinto-me penetrando o sereno vazio de tudo
Como um raio de luz.
Cresço, projeto-me ao infinito, agitando
Para consolar as árvores angustiadas
E acalmar os pinheiros moribundos.
Desço aos vales como uma sombra de montanha
Buscando poesia nos rios parados.
Sou como o bom-pastor da natureza
Que recolhe a alma do seu rebanho
No agasalho da sua alma...
E amo voltar
Quando tudo não é mais que uma saudade
Do momento suspenso que foi...
Amo voltar quando a noite palpita
Nas primeiras estrelas claras...
Amo vir com a aragem que começa a descer das montanhas
Trazendo cheiros agrestes de selva...
E pelos caminhos já percorridos, voltando com a noite
Amo sonhar...
Com riscos de andorinhas pelo céu.
Amo ir solitário pelos caminhos
Olhando a tarde parada no tempo
Parada no céu como um pássaro em vôo
E que vem de asas largas se abatendo.
Amo desvendar a vaga penumbra que desce
Amo sentir o ar sem movimento, a luz sem vida
Tudo interiorizado, tudo paralisado na oração calma...
Amo andar nessas tardes...
Sinto-me penetrando o sereno vazio de tudo
Como um raio de luz.
Cresço, projeto-me ao infinito, agitando
Para consolar as árvores angustiadas
E acalmar os pinheiros moribundos.
Desço aos vales como uma sombra de montanha
Buscando poesia nos rios parados.
Sou como o bom-pastor da natureza
Que recolhe a alma do seu rebanho
No agasalho da sua alma...
E amo voltar
Quando tudo não é mais que uma saudade
Do momento suspenso que foi...
Amo voltar quando a noite palpita
Nas primeiras estrelas claras...
Amo vir com a aragem que começa a descer das montanhas
Trazendo cheiros agrestes de selva...
E pelos caminhos já percorridos, voltando com a noite
Amo sonhar...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Vinícius de Moraes
O Rei do Mar - Cecília Meireles
Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular:
Vimos as Plêiades.Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas.Muitos remos.
Curta Vida. Longo mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só contamos para o mar...
Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
[Muitas velas.Muitos remos.
Âncora é outro falar...]
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular:
Vimos as Plêiades.Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas.Muitos remos.
Curta Vida. Longo mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só contamos para o mar...
Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
[Muitas velas.Muitos remos.
Âncora é outro falar...]
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
Avesso - Roseana Murray
Atravessaria um rio grosso
no meio da noite
para decifrar tuas pegadas,
o rastro luminoso dos teus olhos.
Atravessaria a superfície
silenciosa dos espelhos
para ver o teu avesso.
Caminharia sobre água
e fogo
para soletrar teu corpo.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Roseana Murray
A casa do tempo perdido - Carlos Drummond de Andrade
Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade
Al perderte... - Ernesto Cardenal
Al perderte yo a ti,
tu y yo hemos perdido:
yo por que tu eres
lo que yo más amaba
y tú porque yo era
el que te amaba más.
Pero de nosotros dos,
tú pierdes más que yo:
porque yo podré amar a otras,
como te amaba a ti,
pero a ti no te amarám
como te amaba yo.
Tu e eu, ao perdermos
um ao outro,
ambos perdemos.
Eu, porque tu eras o que
eu mais amava,
tu, porque eu era quem
te amava mais.
Mas, entre nós dois,
tu perdes mais do que eu.
Porque eu poderei amar
a outras
como amei a ti.
Mas a ti nunca ninguém
jamais amará
como eu te amei.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Ernesto Cardenal
Resposta - Fiama Hassa P. Brandão
Eu vinha para a vida, e deram-me dias
vivos com os seus lugares e espaço.
Ontem nasci sem fim, e alimentei-me
nesta mesa que em duas se reparte.
Uma aba no mar, vagante à toa,
trouxe os sabores de ondas, de orlas.
Outra aba na terra mostrou-me as pedras
polidas, úberes, gastas. Pedras
densas que me encheram o ventre
e me criaram similar à Terra.
No mar tive cristais quebrados, jóias;
na terra, tão nítida poeira branca
que fundi as formas das flores visíveis.
E hoje é este olhar profundo,
deriva das imagens pelo mundo.
vivos com os seus lugares e espaço.
Ontem nasci sem fim, e alimentei-me
nesta mesa que em duas se reparte.
Uma aba no mar, vagante à toa,
trouxe os sabores de ondas, de orlas.
Outra aba na terra mostrou-me as pedras
polidas, úberes, gastas. Pedras
densas que me encheram o ventre
e me criaram similar à Terra.
No mar tive cristais quebrados, jóias;
na terra, tão nítida poeira branca
que fundi as formas das flores visíveis.
E hoje é este olhar profundo,
deriva das imagens pelo mundo.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Fiama Hassa P. Brandão
Viração - Mário Quintana
Voa um par de andorinhas, fazendo verão.
E vem uma vontade de rasgar velhas cartas,
velhos poemas, velhas contas recebidas.
Vontade de mudar de camisa,
por fora e por dentro... vontade...
Para quê esse pudor de certas palavras?...
Vontade de amar, simplesmente.
E vem uma vontade de rasgar velhas cartas,
velhos poemas, velhas contas recebidas.
Vontade de mudar de camisa,
por fora e por dentro... vontade...
Para quê esse pudor de certas palavras?...
Vontade de amar, simplesmente.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Mário Quintana
Os dias felizes - Cecília Meireles
Os dias felizes estão entre as árvores,
como os pássaros:
viajam nas nuvens,
correm nas águas,
desmancham-se na areia.
Todas as palavras são inúteis,
desde que se olha para o céu.
A doçura maior da vida
flui na luz do sol,
quando se está em silêncio.
Até os urubus são belos,
no largo círculo dos dias sossegados.
Apenas entristece um pouco
este ovo azul que as crianças apedrejaram:
formigas ávidas devoram
a albumina do pássaro frustrado.
Caminhávamos devagar,
ao longo desses dias felizes,
pensando que a Inteligência
era uma sombra da Beleza.
como os pássaros:
viajam nas nuvens,
correm nas águas,
desmancham-se na areia.
Todas as palavras são inúteis,
desde que se olha para o céu.
A doçura maior da vida
flui na luz do sol,
quando se está em silêncio.
Até os urubus são belos,
no largo círculo dos dias sossegados.
Apenas entristece um pouco
este ovo azul que as crianças apedrejaram:
formigas ávidas devoram
a albumina do pássaro frustrado.
Caminhávamos devagar,
ao longo desses dias felizes,
pensando que a Inteligência
era uma sombra da Beleza.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
Mãos feridas na porta dum silêncio - Natália Correia
Vida que às costas me levas
porque não dás um corpo às tuas trevas?
Porque não dás um som àquela voz
que quer rasgar o teu silêncio em nós?
Porque não dás à pálpebra que pede
aquele olhar que em ti se perde?
Porque não dás vestidos à nudez
que só tu vês?
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Natália Correia
Alice Ruiz
olhar o mesmo olho
com outros olhos
em outro olhar
o mesmo olho
nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho.
com outros olhos
em outro olhar
o mesmo olho
nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Alice Ruiz
Assinar:
Postagens (Atom)