Não tiro de minhas retinas,
todos os povos vencidos.
Não tiro nenhuma lágrima,
nenhuma dor, nenhum símbolo.
Toda a fadiga dos mitos
se cristaliza no medo.
Não, não tiro das retinas
o meu povo tão calado.
Nem tiro sequer das gotas
destas pálpebras, o peso.
Esta estrada onde moro - Manuel Bandeira
Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite
puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água,
para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite
puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água,
para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.
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Manuel Bandeira
Sem sombra e água fresca - Leila Míccolis
O homem mata a mata,
violenta a flora,
polui as fontes,
devasta, agride-as,
e, segundo a mídia,
cria este calor de estufa.
Sem ser orquídea.
violenta a flora,
polui as fontes,
devasta, agride-as,
e, segundo a mídia,
cria este calor de estufa.
Sem ser orquídea.
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Leila Miccolis
As rosas - Sophia de Mello B. Andresen
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
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Sophia de Mello B. Andresen
Emily Dickinson
Primeiro Ato é achar,
Perder é o segundo Ato,
Terceiro, a Viagem em busca
Do “Velocino Dourado”
Quarto, não há Descoberta —
Quinta, nem Tripulação —
Por fim, não há Velocino —
Falso — também — Jasão.
Perder é o segundo Ato,
Terceiro, a Viagem em busca
Do “Velocino Dourado”
Quarto, não há Descoberta —
Quinta, nem Tripulação —
Por fim, não há Velocino —
Falso — também — Jasão.
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Retrato do poeta quando jovem - José Saramago
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.
Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.
Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.
Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.
Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história
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Antes - Helena Kolody
Antes que desça a noite,
imprimir na retina
os rostos amados,
o sol,
as cores,
o céu de outono
e os jardins da primavera.
Inundar de sons
de vozes
e de música eterna
os ouvidos,
antes que os atinja
a maré do silêncio.
Conquistar
os pontos culminantes
da vida,
antes que se esgote
o prazo da permanência
em seu território sagrado.
imprimir na retina
os rostos amados,
o sol,
as cores,
o céu de outono
e os jardins da primavera.
Inundar de sons
de vozes
e de música eterna
os ouvidos,
antes que os atinja
a maré do silêncio.
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os pontos culminantes
da vida,
antes que se esgote
o prazo da permanência
em seu território sagrado.
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Helena Kolody
A passagem - Lêdo Ivo
Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.
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Lêdo Ivo
Oriente - Caio Fernando Abreu
Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente
e um retalho roxo de seda alucinante
e mãos de prata ainda (se puderes)
e se puderes mais, manda violetas
(margaridas talvez, caso quiseres)
manda-me osíris no próximo crescente
e um olho escancarado de loucura
(em pentagrama, asas transparentes)
manda-me tudo pelo vento:
envolto em nuvens, selado com estrelas
tingido de arco-íris, molhado de infinito
(lacrado de oriente, se encontrares).
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Caio F. Abreu
A Verdade - Thiago de Mello
A verdade é a luz pequena
ardendo na escuridão.
Da terra, ela nasce e cresce
de vida, na tua mão.
Quem a encontra, gasta um rio
de palavras, inaugura
braços e barcos, mostrando.
Ninguém a vê. De repente,
é um sol imenso no peito
da multidão: é a verdade
no centro do seu poder.
Mas ela também se acaba.
E quando se acaba
é uma brasa oca, faminta,
devorando o coração.
ardendo na escuridão.
Da terra, ela nasce e cresce
de vida, na tua mão.
Quem a encontra, gasta um rio
de palavras, inaugura
braços e barcos, mostrando.
Ninguém a vê. De repente,
é um sol imenso no peito
da multidão: é a verdade
no centro do seu poder.
Mas ela também se acaba.
E quando se acaba
é uma brasa oca, faminta,
devorando o coração.
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Thiago de Mello
Improviso à janela - Cecília Meireles
Este é o começo do dia,
como o começo e o fim do mundo:
as nuvens aprendem a voar,
os campos vão sonhando nuvens,
o vento vai sonhando o pó
onde tristemente o amor palpitará.
Este é o começo do dia.
Vemos tudo o que já foi visto,
alguma coisa não mais se verá.
Nem sempre olhamos o dia
tão face a face e tão docemente.
Nem sempre sentimos esta saudade,
ainda ausente, ainda futura,
do que há e do que não há.
Este é o começo do dia:
- do céu, da luz, da terra, dos homens,
que acontecerá?
como o começo e o fim do mundo:
as nuvens aprendem a voar,
os campos vão sonhando nuvens,
o vento vai sonhando o pó
onde tristemente o amor palpitará.
Este é o começo do dia.
Vemos tudo o que já foi visto,
alguma coisa não mais se verá.
Nem sempre olhamos o dia
tão face a face e tão docemente.
Nem sempre sentimos esta saudade,
ainda ausente, ainda futura,
do que há e do que não há.
Este é o começo do dia:
- do céu, da luz, da terra, dos homens,
que acontecerá?
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Acqua Marcia - Marina Colasanti
Em todo lugar sou estrangeira
Menos na minha casa
E mesmo na minha casa
Nenhum habitante sabe
Que o gosto justo da água
É aquele daquela água
Que em minha terra se bebe.
Menos na minha casa
E mesmo na minha casa
Nenhum habitante sabe
Que o gosto justo da água
É aquele daquela água
Que em minha terra se bebe.
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Chuva - Cecília Meireles
Sobre as casas fechadas, a chuva.
Sobre o sono dos homens, a chuva.
Sobre os mortos inúmeros, a chuva.
A chuva noturna sobre as árvores.
A chuva noturna sobre os templos
A chuva noturna sobre o mar.
Sobre a solidão deste mundo, a chuva.
A solidão da chuva, na solidão.
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Mar - Vinícius de Moraes
Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.
Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.
E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.
Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.
E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.
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Desvios da estrada - Paulino Vergetti Neto
O último grito ouvi de mim
antes de arredar-se a coragem
e meus olhos irem-se
desbravando a fuga
e tecendo o desespero.
Voltar não rimava com nada
e vagueei por estradas
sem nortes de idas,
sem vindas avistadas.
Ir-me era melhor do que ficar
e fui!
Hoje chego-me cedo do que tardeei
e apenas porque cheguei
acho de voltar-me.
Não gritarei mais.
E o silêncio, a arma,
devo entregar às estradas deixadas
por onde nunca cruzei.
antes de arredar-se a coragem
e meus olhos irem-se
desbravando a fuga
e tecendo o desespero.
Voltar não rimava com nada
e vagueei por estradas
sem nortes de idas,
sem vindas avistadas.
Ir-me era melhor do que ficar
e fui!
Hoje chego-me cedo do que tardeei
e apenas porque cheguei
acho de voltar-me.
Não gritarei mais.
E o silêncio, a arma,
devo entregar às estradas deixadas
por onde nunca cruzei.
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A Idade - Carlos Nejar
Falou e disse um pássaro,
dois sóis, uma pequena estrela.
Falou para que calássemos
e disse amor, penúria, brevidade.
E disse disse disse
a idade da eternidade.
dois sóis, uma pequena estrela.
Falou para que calássemos
e disse amor, penúria, brevidade.
E disse disse disse
a idade da eternidade.
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E por vezes as noites duram meses - David Mourão-Ferreira
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
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