Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.
Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,
dançam livres como libélulas
em redor do fogo.
Era eu um poeta estimulado pela filosofia - Alberto Caeiro (F.Pessoa)
Era eu um poeta estimulado pela filosofia
E não um filósofo com faculdades poéticas.
Gostava de admirar a beleza das coisas,
Descobrir no imperceptível, através do diminuto,
A alma poética do universo.
E não um filósofo com faculdades poéticas.
Gostava de admirar a beleza das coisas,
Descobrir no imperceptível, através do diminuto,
A alma poética do universo.
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Fernando Pessoa
Chuva de primavera - Guilherme de Almeida
Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.
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Guilherme de Almeida
Inquérito - Carlos Drummond de Andrade
Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.
Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.
Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.
Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.
Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,
aguardando vez de possível;
pergunta ao vago, sem propósito
de captar maiores certezas
além da vaporosa calma
que uma presença imaginária
dá aos quartos do coração.
A ti mesmo, nada perguntes.
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.
Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.
Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.
Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.
Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,
aguardando vez de possível;
pergunta ao vago, sem propósito
de captar maiores certezas
além da vaporosa calma
que uma presença imaginária
dá aos quartos do coração.
A ti mesmo, nada perguntes.
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Carlos Drummond de Andrade
A canção da vida - Mário Quintana
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
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Mário Quintana
Ginástica - Cecília Meireles
Ah! Com que extremado esforço nos elevamos
acima de nós, para o inalcançável
e retornamos aos nossos limites,
e nos curvamos até o chão.
Vamos e voltamos, delicados e impetuosos,
disciplinando a força, dominando o equilíbrio,
atrelando à levitação do sonho
o peso do corpo, melancólico.
Discípulos da música, respiramos sua cadência,
e a nossa densidade parece-nos, de súbito,
transparência e cristalização.
Vamos e voltamos, inspirados e deleitosos,
e decerto quereríamos definitivamente ir:
mas o jogo é de ir e ficar.
acima de nós, para o inalcançável
e retornamos aos nossos limites,
e nos curvamos até o chão.
Vamos e voltamos, delicados e impetuosos,
disciplinando a força, dominando o equilíbrio,
atrelando à levitação do sonho
o peso do corpo, melancólico.
Discípulos da música, respiramos sua cadência,
e a nossa densidade parece-nos, de súbito,
transparência e cristalização.
Vamos e voltamos, inspirados e deleitosos,
e decerto quereríamos definitivamente ir:
mas o jogo é de ir e ficar.
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Cecília Meireles
O templo do Cume - Li Po
Passo esta noite no Templo do Cume.
Aqui eu poderia apanhar as estrelas com a minha mão.
Não ouso alçar a voz em meio ao silêncio,
com medo de perturbar os habitantes do céu.
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Li Po,
Poetas chineses
Tão sutilmente em tantos breves anos - Lya Luft
Tão sutilmente em tantos breves anos
foram se trocando sobre os muros
mais que desigualdades, semelhanças,
que aos poucos dois são um, sem que no entanto
deixem de ser plurais:
talvez as asas de um só anjo, inseparáveis.
Presenças, solidões que vão tecendo a vida,
o filho que se faz, uma árvore plantada,
o tempo gotejando do telhado.
Beleza perseguida a cada hora, para que não baixe
o pó de um cotidiano desencanto.
Tão fielmente adaptam-se as almas destes corpos
que uma em outra pode se trocar,
sem que alguém de fora o percebesse nunca.
foram se trocando sobre os muros
mais que desigualdades, semelhanças,
que aos poucos dois são um, sem que no entanto
deixem de ser plurais:
talvez as asas de um só anjo, inseparáveis.
Presenças, solidões que vão tecendo a vida,
o filho que se faz, uma árvore plantada,
o tempo gotejando do telhado.
Beleza perseguida a cada hora, para que não baixe
o pó de um cotidiano desencanto.
Tão fielmente adaptam-se as almas destes corpos
que uma em outra pode se trocar,
sem que alguém de fora o percebesse nunca.
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Lya Luft
Os rios corriam calmos - A. Estebanez
Além de sete colinas
setenta léguas além
ainda há risos na casa
e lá não mora ninguém...
Ouviam-se pés macios
deslizando no assoalho
leves folhas se roçando
cristalizadas de orvalho.
Minha mãe punha o café
com odor de flor selvagem
– seiva da lenha no fogo –
no cheiro doce da aragem.
Meu pai montava a cavalo
cintava o relho e partia
galopando pelos campos
como quem raiava o dia.
Parecia que seu canto
ditava o rumo do vento
e que as curvas do caminho
seguiam seu pensamento.
Era um domador de nuvens
nos umbrais das atalaias
um barqueiro de colinas
em verdes mares sem praias.
E os rios passavam lentos
em minhas tardes amenas
levando meus dias calmos
em suas águas serenas...
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Afonso Estebanez
As mãos de meu pai - Mário Quintana
As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
- como são belas as tuas mãos -
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos
e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida - que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...
sobre um fundo de manchas já cor de terra
- como são belas as tuas mãos -
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos
e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida - que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...
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Soneto ao inverno - Vinícius de Moraes
Inverno, doce inverno das manhãs
Translúcidas, tardias e distantes
Propício ao sentimento das irmãs
E ao mistério da carne das amantes:
Quem és, que transfiguras as maçãs
Em iluminações dessemelhantes
E enlouqueces as rosas temporãs
Rosa-dos-ventos, rosa dos instantes?
Por que ruflaste as tremulantes asas
Alma do céu? o amor das coisas várias
Fez-te migrar - inverno sobre casas!
Anjo tutelar das luminárias
Preservador de santas e de estrelas...
Que importa a noite lúgubre escondê-las?
Translúcidas, tardias e distantes
Propício ao sentimento das irmãs
E ao mistério da carne das amantes:
Quem és, que transfiguras as maçãs
Em iluminações dessemelhantes
E enlouqueces as rosas temporãs
Rosa-dos-ventos, rosa dos instantes?
Por que ruflaste as tremulantes asas
Alma do céu? o amor das coisas várias
Fez-te migrar - inverno sobre casas!
Anjo tutelar das luminárias
Preservador de santas e de estrelas...
Que importa a noite lúgubre escondê-las?
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Vinícius de Moraes
Poema da solidão do vento - Glória de Sant'Anna
É o vento.
O vento vivo e claro
que percorre e não prende
o corpo nu das árvores.
É o vento.
O vento que se inclina
junto às portas fechadas
e tateia as vidraças
com longos dedos de ágata.
É o vento.
O vento que se humilha
- e partirá tão só
como à chegada.
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Glória de Sant'Anna
Família - Carlos Drummond de Andrade
Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.
A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
e a mulher que trata de tudo.
O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.
A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
e a mulher que trata de tudo.
O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.
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Carlos Drummond de Andrade
A canção dos tamanquinhos - Cecília Meireles
Troc... troc... troc... troc...
ligeirinhos, ligeirinhos,
Troc... troc... troc... troc...
vão cantando os tamanquinhos...
Madrugada. Troc... troc
pelas portas dos vizinhos
vão batendo, troc... troc...
vão cantando os tamanquinhos...
Chove. Troc... troc... troc...
no silêncio dos caminhos
alagados, troc... troc...
vão cantando os tamanquinhos...
E até mesmo, troc... troc...
os que têm sedas e arminhos,
sonham, troc... troc... troc...
com seu par de tamanquinhos.
ligeirinhos, ligeirinhos,
Troc... troc... troc... troc...
vão cantando os tamanquinhos...
Madrugada. Troc... troc
pelas portas dos vizinhos
vão batendo, troc... troc...
vão cantando os tamanquinhos...
Chove. Troc... troc... troc...
no silêncio dos caminhos
alagados, troc... troc...
vão cantando os tamanquinhos...
E até mesmo, troc... troc...
os que têm sedas e arminhos,
sonham, troc... troc... troc...
com seu par de tamanquinhos.
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Aquela madrugada - Manoel de Barros
Aquela madrugada
vinham cheiros em minha boca.
De longe
de todos os matos
vinham cheiros de frutas
que ela vinha.
Vinha o que de noite
os pássaros estavam dormindo
o que os regos
estavam murmurando
e o que as árvores
falam pros joão-pintos...
Vinham também
esses começos de coisas
indistintas:
o que a gente esperou dos sonhos
os cheiros do capim
e o berro dos bezerros
sujos a escamas cruas...
vinham cheiros em minha boca.
De longe
de todos os matos
vinham cheiros de frutas
que ela vinha.
Vinha o que de noite
os pássaros estavam dormindo
o que os regos
estavam murmurando
e o que as árvores
falam pros joão-pintos...
Vinham também
esses começos de coisas
indistintas:
o que a gente esperou dos sonhos
os cheiros do capim
e o berro dos bezerros
sujos a escamas cruas...
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