Explicação da eternidade - José Luís Peixoto
Devagar,
o tempo transforma
tudo em tempo.
o ódio transforma-se
em tempo,
o amor transforma-se
em tempo,
a dor transforma-se em
tempo.
os assuntos que
julgamos mais profundos,
mais impossíveis, mais
permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar
em tempo.
por si só, o tempo não
é nada.
a idade é nada.
a eternidade não
existe.
no entanto, a
eternidade existe.
os instantes dos teus
olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu
sorriso eram eternos.
os instantes do teu
corpo de luz eram eternos.
foste eterna até ao
fim.
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José Luís Peixoto
Nossa sabedoria é a dos rios - Carlos Nejar
Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
onda a onda.
Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.
E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do corpo,
como antigos veleiros.
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Carlos Nejar
Pablo Neruda
Amo o amor que se reparte
em beijos, leite e pão.
Amor que pode ser eterno
mas pode ser fugaz.
Amor que se quer libertar
para seguir amando.
Amor divinizado que vem vindo.
Amor divinizado que se vai.
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Pablo Neruda
A sombra - Humberto Ak'ab'al
Ele dançava
como nunca havia dançado,
e seus olhos eram para ela.
— Com quem dança ele?
Perguntou uma voz.
— Com uma sombra,
respondeu o vento.
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Humberto Ak'abal
Horário do Fim - Mia Couto
morre-se nada
quando chega a vez
é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos
morre-se tudo
quando não é o justo momento
e não é nunca
esse momento
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Mia Couto
Epigrama nº 9 - Cecília Meireles
O vento voa,
a noite toda se atordoa,
a folha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa noite? sobre esse vento?
sobre essa folha que se vai?
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Cecília Meireles
Uns - Ricardo Reis
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.
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Fernando Pessoa
O vento e a canção - Mário Quintana
Só o vento é que sabe versejar:
Tem um verso a fluir que é como um rio de ar.
E onde a qualquer momento podes embarcar:
O que ele está cantando é sempre o teu cantar.
Seu grito é o grito que querias dar,
É ele a dança que ias tu dançar.
E, se acaso quisesses te matar,
Te ensinava cantigas de esquecer.
Te ensinava cantigas de embalar...
E só um segredo ele vem te dizer:
- é que o voo do poema não pode parar.
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Mário Quintana
Itinerário - Cecília Meireles
Primeiro, foram os verdes
e águas e pedras da tarde,
e meus sonhos de perder-te
e meus sonhos de encontrar-te...
Mas depois houve caminhos
pelas florestas lunares,
e, mortos em meus ouvidos,
mares brancos de palavras.
Achei lugares serenos
e aromas de fonte extinta.
Raízes fora do tempo,
com flores vivas ainda.
E eram flores encarnadas,
por cima das folhas verdes.
(Entre os espinhos de prata,
só meus sonhos de perder-te...)
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Cecília Meireles
Caixinha mágica - Roseana Murray
Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.
Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.
O que é que você quer
esconder na minha caixa?
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Roseana Murray
Fio - Cecília Meireles
No fio da respiração,
rola a minha vida monótona,
rola o peso do meu coração.
Tu não vês o jogo perdendo-se
como as palavras de uma canção.
Passas longe, entre nuvens rápidas,
com tantas estrelas na mão...
- Para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?
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Cecília Meireles
Chuva de vento - Mauro Mota
De que distância
chega essa chuva
de asas, tangida
pela ventania?
Vem de que tempo?
Noturna agora
a chuva morta
bate na porta.
(As biqueiras da infância, as lavadeiras
correm, tiram as roupas do varal,
relinchos do cavalo na campina,
tangerinas e banhos no quintal,
potes gorgolejando, tanajuras,
os gansos, a lagoa, o milharal.)
De onde vem essa
chuva trazida
na ventania?
Que rosas fez abrir?
Que cabelos molhou?
Estendo-lhe a mão: a chuva fria.
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Mauro Mota
O vagalume - Dora Ferreira da Silva
Inquieta a escuridão.
Acende e apaga a lanterna
sem cessar.
Busca a perfeição.
A manhã o ilumina
insatisfeito
e opaco.
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Dora Ferreira da Silva
Eu busco o rastro de alguém - Sophia de Mello B. Andresen
Eu busco o rastro de
alguém
Que o mar reflecte e
contém.
Calma que eterniza as
suas horas,
Ou tumulto que vibra
Nas marés desesperadas
e sonoras.
Eu busco o rastro de
alguém
Que ao meu encontro
vem
No sonho de cada
linha.
Alguém
Que no silêncio dos
pinhais caminha,
Rio correndo, chama
Em tudo acesa.
Alguém que me devasta
e inflama
Me destrói e me inunda
de certeza.
Alguém que me devora,
Ou infinitamente longe
me implora
Que venha.
Alguém que se desenha
No perfil dos montes
E sobe do fundo da
terra com as fontes.
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Sophia de Mello B. Andresen
Graça - Adélia Prado
O mundo é um jardim. Uma luz banha o mundo.
A limpeza do ar, os verdes depois das chuvas,
os campos vestindo a relva como o carneiro a sua lã.
A dor sem fel: uma borboleta viva espetada.
Acodem as gratas lembranças:
moças descalças, vestidos esvoaçantes,
tudo seivoso como a juventude,
insidioso prazer sem objeto.
Insisto no vício antigo — para me proteger do inesperado gozo.
E a mulher feia? E o homem crasso?
Em vão. Estão todos nimbados como eu.
A lata vazia, o estrume, o leproso no seu cavalo
estão resplandecentes. Nas nuvens
tem um rei, um reino,
um bobo com berloques, um príncipe. Eu passeio nelas,
é sólido. O que não vejo, existindo mais que a carne.
Esta tarde inesquecível Deus me deu. Limpou meus olhos e vi:
como o céu, o mundo verdadeiro é pastoril.
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Adélia Prado
Se cada dia cai - Pablo Neruda
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
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Pablo Neruda
Não saibas: imagina - Miguel Torga
Deixa falar o mestre , e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.
Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um á-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...
Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...
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