La corda .. Romance On Violin

Canção da Pipa - Manuel Bandeira


Voa, pequena pipa, voa,
Eleva-te com vontade aos ares
Empina, pequena coisa azul, empina,
Sobre a nossa catacumba de casas!

Se nós te seguramos pela linha
Tu te manténs nos ares
Escravo dos sete ventos
A levantar-te os obrigarás.

E nós ficamos a teus pés!
Voa, voa, pequeno ancestral
De nossos grandes aeroplanos
Olha ao teu redor para saudá-los!

ÍMPAR OU ÍMPAR - Paulo Leminski

Pouco rimo tanto com faz.
Rimo logo ando com quando,
mirando menos com mais.
Rimo, rimas, miras, rimos,
como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,
se amar (rimar) fosse fácil.

Vida, coisa pra ser dita,
como é fita este fado que me mata.
Mal o digo, já meu siso se conflita
com a cisma que, infinita, me dilata.

Na noite que me desconhece - Fernando Pessoa


Na noite que me desconhece
O luar vago, transparece
Da lua ainda por haver.
Sonho. Não sei o que me esquece,
Nem sei o que prefiro ser.
Hora intermédia entre o que passa,
Que névoa incógnita esvoaça
Entre o que sinto e o que sou?
A brisa alheiamento abraça.
Durmo. Não sei quem é que estou.

Dói-me tudo por não ser nada.
Da grande noite. embainhada
Ninguém tira a conclusão.
Coração, queres?
Tudo enfada. Antes só sintas, coração.

Soneto da separação - Vinícius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se espuma
E das mãos espalmadas fez-se espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente não mais que de repente.

Alento - Caio Fernando Abreu

Quando mais nada houver,
eu me erguerei cantando,
saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem.

E numa louca corrida
entregarei meu ser ao ser do Tempo
e a minha voz à doce voz do vento.

Despojado do que já não há
solto no vazio do que ainda não veio,
minha boca cantará
cantos de alívio pelo que se foi,
cantos de espera pelo que há de vir.

Escorreu o dia como areia,
ficou a poesia amordaçada.
Mas a lua na madrugada,
pondo-lhe uma caneta
entre os dedos ordenou:
-Toda poesia deverá ser liberada!!
E então fez-se verbo
da palavra aprisionada!
A voz da poesia ocordou o dia,
e assustou a passarada!

RESPOSTA AO TEMPO

O tempo - Olavo Bilac

Sou o Tempo que passa, que passa,
Sem princípio, sem fim, sem medida!
Vou levando a Ventura e a Desgraça,
Vou levando as vaidades da Vida!

A correr, de segundo em segundo,
Vou formando os minutos que correm...
Formo as horas que passam no mundo,
Formo os anos que nascem e morrem.

Ninguém pode evitar os meus danos...
Vou correndo sereno e constante:
Desse modo, de cem em cem anos,
Formo um século, e passo adiante.

Trabalhai, porque a vida é pequena,
E não há para o Tempo demoras!
Não gasteis os minutos sem pena!
Não façais pouco caso das horas!

Astor Piazzolla - Libertango

Clarice Lispector



Meu tema é o instante?
Meu tema de vida.
Procuro estar a par dele,
divido-me milhares de vezes
em tantas vezes quanto os
instantes que decorrem,
fragmentária que sou e
precários os momentos -
só me comprometo com vida
que nasça com o tempo e
com ele cresça: só no tempo
há espaço para mim.

No entardecer - Alberto Caeiro / Fernando Pessoa

No entardecer dos dias de verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...

Ah, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão ...
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos ...

Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo
Porque a imperfeição é uma cousa,
E haver gente que erra é original,
E haver gente doente torna o Mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos,
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir. . .

Caio Fernando Abreu

Tenho a boca afiada de punhais
não choro
olho os faróis com duros olhos
ardidos de quem tem febres
mas não sangro
as mãos vazias deixam passar o vento
lavando os dedos que não se crispam
não há palavras, nem mesmo estas
o único sentido de estar aqui
é apenas estar secamente aqui
cravado como um prego
em plena carne viva da tarde.

Poema Transitório - Mário Quintana


(...) O apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar...
Ah, como esta vida é urgente!
... no entanto
eu gostava mesmo era de partir...
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.

Canção excêntrica - Cecília Meireles


Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-te num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio - Ricardo Reis/Fernando Pessoa


Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Tom Jobim - A Felicidade

Poesia - Vinícius de Moraes

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção.
É claro que te acho linda
Em te bendigo o amor das coisas simples.
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste.

Aí está o mar? - Pablo Neruda



Aí está o mar? Muito bem, que passe.
Dá-me o grande sino, o de fenda verde.
Não, esse não, o outro, o que tem
na boca de bronze uma ruptura,
e agora, nada mais, quero estar só
com o mar principal e o sino.
Não quero falar por um largo tempo,
silêncio, quero aprender ainda,
quero saber se existo.

Um dia - Sophia de Mello B. Andresen


Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Canção - Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Oração ao mestre - Munir Zalaf

Mestre,
Apóstolo, pregador,
Farol, luz, sacerdote,
Sol, lua, luz de vela...
Timoneiro.
Nós te agradecemos
A bússola,
O remo,
O barco,
O rio,
A indicação da Porta,
As letras,
A lua conquistada!

Mestre!
Descemos o Monte Arat,
Pousamos na lua,
Dividimos o mar,
Conquistamos o átomo
porque nos conquistaste.
Somos médicos, engenheiros, cientistas,
Somos advogados, empresários, jornalistas,
Somos poetas, escritores, lavradores,
Governadores, mecânicos, artistas,
Somos operários, comerciários, bancários,
Homens do mar,
Homens do ar,
Pais e filhos, gerações,
Construindo a família
Construindo o mundo!
A criança e o homem
Que existe em cada um de nós
Te reverenciam!
Obrigado, MESTRE,
Alavanca
Que nos permitiu ser o que somos:
GENTE!

Beethoven Violin Romance No.2

Partida - Roseana Murray

Hoje arrumo as flores
em cima da mesa
as frutas na memória
quero um dia bem simples
alguma luz pousada
na superfície da água.
Hoje chamo para mim
amorosas palavras
que vivam um dia
perto do meu coração
que corram pela casa
com sua mistura de mel e espanto.
Alguém parte com um ruído seco
alguém sempre está partindo.

Dever de Sonhar - Fernando Pessoa

Eu tenho uma espécie de dever,
dever de sonhar,
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.



E, assim, me construo a ouro e sedas,
em salas supostas,
invento palco,
cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis.

Epigrama nº 8 - Cecília Meireles


Encostei-me a ti,
sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo que eras nuvem,
depus a minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso,
e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar quando caí.

O tempo dentro do espelho - Thiago de Mello

O tempo não existe, meu amor
O tempo é nada mais que uma invenção
de quem tem medo de ficar eterno.
De quem não sabe que nada se acaba,
que tudo o que se vive permanece
cinza de amor ardendo na memória.
O tempo passa? Ai, quem me dera! O tempo
fica dentro de mim, cantando ... ou
me queimando, mas sou eu quem canto
eu que me queimo, o tempo nada faz
sem mim que lhe permito a minha vida.
De mim depende, sou sua matéria,
esterco e flor do chão da minha mente,
o tempo é o meu pecado original.

Tempestade - Henriqueta Lisboa

- Menino, vem para dentro,
Olha a chuva lá na serra,
Olha como vem o vento!
- Ah! Como a chuva é bonita

E como o vento é valente!
- Não sejas doido, menino,
Esse vento te carrega,
Essa chuva te derrete!

- Eu não sou feito de açúcar
Para derreter na chuva.
Eu tenho força nas pernas
Para lutar contra o vento!

E enquanto o vento soprava
E enquanto a chuva caía,
Que nem um pinto molhado,
Teimoso como ele só:

- Gosto de chuva com vento,
Gosto de vento com chuva!

Depois da chuva - Miguel Torga

Abre a janela, e olha!
Tudo o que vires é teu.
A seiva que lutou em cada folha,
E a fé que teve medo e se perdeu.
Abre a janela, e colhe!
É o que quiser a tua mão atenta:
Água barrenta,
Água que molhe,
Água que mate a sede...
Abre a janela, quanto mais não seja
Para que haja um sorriso na parede!



O que te faz feliz? - Arnaldo Antunes

A lua, a praia, o mar, a rua, a saia, amar...
Um doce, uma dança, um beijo...
Ou é a goiabada com queijo?

Afinal, o que te faz feliz?

Chocolate, paixão, acordar cedo, dormir tarde.
Arroz com feijão, matar a saudade!
O aumento, a casa, o carro que você sempre quis...
Ou são os sonhos que te fazem feliz?
Um filme, um dia, uma semana.
Um bem, um biquíni, a grama!
Dormir na rede, matar a sede, ler...
Ou viver um romance?

O que faz você feliz?

Um lápis, uma letra, uma conversa boa.
Um cafuné, café com leite, rir à toa...
Um pássaro, ser dono do seu próprio nariz!
Ou será um choro que te faz feliz?
A causa, a pausa, o sorvete.
Sentir o vento, esquecer o tempo!
O sal, o sol, um som, o ar...
A pessoa ou o lugar?

Agora me diz,
O que te faz feliz?

O Duplo - Affonso Romano de Sant’Anna,

Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza.
Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.

Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que eu sou ele.

Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.

Chico Buarque - Piruetas

Colar de Carolina - Cecília Meireles

Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.
O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.
E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.

O cavalinho branco – Cecília Meireles

À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo
onde sempre é feriado..

O cavalo sacode a crina
loura e comprida

e nas verdes ervas atira
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!
Desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada.

Sonhos da menina - Cecília Meireles


A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?

Sonho risonho:
O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha a sombrinha
de teia de aranha...
Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua de fronha?


Em busca do amor - Florbela Espanca


O meu destino disse-me a chorar:
"Pela estrada da vida vai andando,
E, aos que vires, interrogando
Acerca do amor, que hás de encontrar."

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando...

Mesmo a um velho eu perguntei: "Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?"
E o velho estremeceu... olhou... e riu...

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados...
E eu paro a murmurar: "Ninguém o viu!..."

Viver não tem cura - Paulo Leminski

Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura.

O vaga-lume - Carlos Rodrigues Brandão

A vela do lume dessa ave mínima
ilumina a noite
tre-me-lu-zen-te.
E o desejo vago
de ser vaga-lume
e a luz reluzente
de seu barco errante
sem ilha e sem rumo
acende um luzeiro
assim ... de repente
de luz e de espanto
na alma da gente.