Mãos feridas na porta dum silêncio - Natália Correia
Vida que às costas me levas
porque não dás um corpo às tuas trevas?
Porque não dás um som àquela voz
que quer rasgar o teu silêncio em nós?
Porque não dás à pálpebra que pede
aquele olhar que em ti se perde?
Porque não dás vestidos à nudez
que só tu vês?
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olhar o mesmo olho
com outros olhos
em outro olhar
o mesmo olho
nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho.
com outros olhos
em outro olhar
o mesmo olho
nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho.
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Humildade - Cecília Meireles
Tanto que fazer!
Livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuvas,
e os mortos em redoma de cânfora.
( E uma canção tão bela ! )
Tanto que fazer !
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.
Livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuvas,
e os mortos em redoma de cânfora.
( E uma canção tão bela ! )
Tanto que fazer !
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.
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O mar é longe, mas somos nós o vento - Pedro Tamen
O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.
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Pedro Tamen
Manoel de Barros
A lua faz silêncio para os pássaros,
- eu escuto esse escândalo!
Um perfume vermelho me pensou.
(Eu contamino a luz do anoitecer?)
Esses vazios me restritam mais.
Alguns pedaços de mim já são desterro.
......................................
(É a sensatez que aumenta os absurdos?)
De noite bebo água de merenda.
Me mantimento de ventos.
Descomo sem opulências. . .
Desculpe a delicadeza.
- eu escuto esse escândalo!
Um perfume vermelho me pensou.
(Eu contamino a luz do anoitecer?)
Esses vazios me restritam mais.
Alguns pedaços de mim já são desterro.
......................................
(É a sensatez que aumenta os absurdos?)
De noite bebo água de merenda.
Me mantimento de ventos.
Descomo sem opulências. . .
Desculpe a delicadeza.
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Verdes reinos encantados - Cecília Meireles
Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos, invisíveis cânticos.
Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e da fonte pura.
E tão românticos seremos,
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo
pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
resumo de todas as vidas.
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos, invisíveis cânticos.
Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e da fonte pura.
E tão românticos seremos,
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo
pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
resumo de todas as vidas.
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Apresentação - Cecília Meireles
Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
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Espera - Roseana Murray
Pintura de Grace Patterson - A Espera
Ando na ponta dos pés
dentro de mim tudo dorme
um sono de areia
as palavras com que me untei
as casas suas paredes
de cal e esquecimento
dormem as pegadas
dos que me tocaram
com pensamentos e sinos
tudo dorme
um sono oblíquo
à espera de um poema.
Ando na ponta dos pés
dentro de mim tudo dorme
um sono de areia
as palavras com que me untei
as casas suas paredes
de cal e esquecimento
dormem as pegadas
dos que me tocaram
com pensamentos e sinos
tudo dorme
um sono oblíquo
à espera de um poema.
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Roseana Murray
Manoel de Barros
Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos
ouvem de longe
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando 3
fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?).
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos
ouvem de longe
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando 3
fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?).
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Adélia Prado
É roxo o amor,
de amoras não,
de dor.
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Adélia Prado
Aproveitar o tempo - Álvaro de Campos\Fernando Pessoa
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
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Fernando Pessoa
Antes soubesse eu - Hilda Hist
Antes soubesse eu
o que fazer com estrelas na mão.
Se dilacerar-lhes a ponta
ou simplesmente não tocá-las.
Se estão perto cegam meus olhos
Se estão longe as desejo.
Antes soubesse eu
o que fazer com estrelas na mão.
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Hilda Hilst
Pôr - do - Sol - J.G.de Araujo Jorge
Pelo vão da janela escancarada
Tenho os olhos pousados no horizonte,
Até que atrás da serra o luar desponte
Na noite só de estrelas pontilhada...
Lá em baixo – como a fita de uma estrada
Sob a arcada mourisca de uma ponte,
As águas cristalinas de uma fonte
São o espelho da tarde iluminada...
Há chilreios na sombra do arvoredo
E no ouvido das árvores, passando,
O vento diz baixinho algum segredo...
Multiplicam-se as sombras nas quebradas
E as nuvens lembram na distância, um bando
De pétalas de luz, ensanguentadas!
Tenho os olhos pousados no horizonte,
Até que atrás da serra o luar desponte
Na noite só de estrelas pontilhada...
Lá em baixo – como a fita de uma estrada
Sob a arcada mourisca de uma ponte,
As águas cristalinas de uma fonte
São o espelho da tarde iluminada...
Há chilreios na sombra do arvoredo
E no ouvido das árvores, passando,
O vento diz baixinho algum segredo...
Multiplicam-se as sombras nas quebradas
E as nuvens lembram na distância, um bando
De pétalas de luz, ensanguentadas!
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J.G.de Araujo Jorge
A realidade da alma - Victor Hugo
A realidade é a alma
A bem dizer, o rosto é uma máscara
O verdadeiro homem é o que
está debaixo do homem
Mais uma surpresa haveria se
pudesse vê-lo agachado e escondido
debaixo da ilusão que se chama carne...
Não há nada que se pareça
mais com a alma do que a abelha
A abelha vai de flor em flor
como a alma de estrela em estrela
E a abelha produz mel
como a alma produz claridade.
A bem dizer, o rosto é uma máscara
O verdadeiro homem é o que
está debaixo do homem
Mais uma surpresa haveria se
pudesse vê-lo agachado e escondido
debaixo da ilusão que se chama carne...
Não há nada que se pareça
mais com a alma do que a abelha
A abelha vai de flor em flor
como a alma de estrela em estrela
E a abelha produz mel
como a alma produz claridade.
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Victor Hugo
Caio Fernando Abreu
Não, não ofereço perigo algum:
sou quieta como folha de outono
esquecida entre as páginas de um livro,
sou definida e clara como o jarro
com a bacia de ágata no canto do quarto
- se tomada com cuidado,
verto água límpida sobre as mãos
para que se possa refrescar o rosto mas,
se tocada por dedos bruscos
num segundo me estilhaço em cacos,
me esfarelo em poeira dourada.
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Caio F. Abreu
Canção do Amor Imprevisto - Mário Quintana
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel,
sem compreender nada, numa alegria atônita...
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel,
sem compreender nada, numa alegria atônita...
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!
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Mário Quintana
O fazer poético - Alice Ruiz
Como se acaba um poema?
Perguntou a alma
à pena.
Sem intenção,
respondeu
a página em branco
Quando pena
se deposita
sobre pena
página
e alma
estão plenas.
Perguntou a alma
à pena.
Sem intenção,
respondeu
a página em branco
Quando pena
se deposita
sobre pena
página
e alma
estão plenas.
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Pássaro - Cecília Meireles
Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.
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Ecce Homo - Friedrich W. Nietzsche
Sim, sei de onde venho!
Insatisfeito com a labareda
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se luz,
Carvão aquilo que abandono:
Sou certamente labareda.
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Nietzsche
Via Láctea - Olavo Bilac
Ora(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
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O passeio matinal - Lêdo Ivo
Com os olhos no chão
procuro o que não perdi.
Hoje só poderei aceitar
o que vier como um presente.
A nuvem sobre a minha cabeça:
o branco balão prometido.
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Lêdo Ivo
Conjugação - Affonso Romano de Sant’Anna
Eu falo
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.
Eu planto
tu adubas
ele colhe.
Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.
Eu defendo
tu combates
ele entrega.
Eu canto
tu calas
ele vaia.
Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.
Eu planto
tu adubas
ele colhe.
Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.
Eu defendo
tu combates
ele entrega.
Eu canto
tu calas
ele vaia.
Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.
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Entre o ser e as coisas - Carlos Drummond de Andrade
Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.
As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.
N´água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.
E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungido,
uma fogueira a arder no dia findo.
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Carlos Drummond de Andrade
Madrugada no Campo - Cecília Meireles
Com que doçura esta brisa penteia
a verde seda fina do arrozal -
Nem cílios, nem pluma, nem lume de lânguida
lua, nem o suspiro do cristal.
Com que doçura a transparente aurora
tece na fina seda do arrozal
aéreos desenhos de orvalho! Nem lágrima,
nem pérola, nem íris de cristal...
Com que doçura as borboletas brancas
prendem os fios verdes do arrozal
com seus leves laços! Nem dedos, nem pétalas,
nem frio aroma de anis em cristal
Com que doçura o pássaro imprevisto
de longe tomba no verde arrozal!
- Caído céu, flor azul, estrela última:
súbito sussurro e eco de cristal.
a verde seda fina do arrozal -
Nem cílios, nem pluma, nem lume de lânguida
lua, nem o suspiro do cristal.
Com que doçura a transparente aurora
tece na fina seda do arrozal
aéreos desenhos de orvalho! Nem lágrima,
nem pérola, nem íris de cristal...
Com que doçura as borboletas brancas
prendem os fios verdes do arrozal
com seus leves laços! Nem dedos, nem pétalas,
nem frio aroma de anis em cristal
Com que doçura o pássaro imprevisto
de longe tomba no verde arrozal!
- Caído céu, flor azul, estrela última:
súbito sussurro e eco de cristal.
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Cecília Meireles
Viagem - Miguel Torga
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
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Miguel Torga
Eu amo o amor - Clarice Lispector
Eu amo o amor.
O amor é vermelho.
O ciúme é verde.
Meus olhos são verdes.
Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros.
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu.
Eu, implorante, eu a que necessita,
a que pede, a que chora, a que lamenta.
Mas a que canta.
A que diz palavras.
Palavras ao vento?
Que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo .
Eu à beira do vento.
O morro dos ventos uivantes me chama.
Vou, bruxa que sou.
E transmuto ...
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Clarice Lispector
Ar Noturno - Vladimir Maiakóvski
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
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O seu santo nome - Carlos Drummond de Andrade
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
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Carlos Drummond de Andrade
Vermelho e Branco - J.G.Araujo Jorge
O sangue vermelho
do homem branco,
do homem preto,
do homem amarelo,
o sangue é vermelho,
é um sangue só.
O leite branco
da mulher branca,
da mulher preta,
da mulher amarela,
o leite é branco,
é um leite só.
Deus pôs por dentro de homens
e mulheres
de aparências tão diferentes,
uma humanidade só:
o mesmo anseio, a mesma fome,
o mesmo sonho, o mesmo pó;
o mesmo sangue vermelho,
da cor da vida, da cor
do amor,
e mais:
o mesmo leite branco,
da cor da paz.
do homem branco,
do homem preto,
do homem amarelo,
o sangue é vermelho,
é um sangue só.
O leite branco
da mulher branca,
da mulher preta,
da mulher amarela,
o leite é branco,
é um leite só.
Deus pôs por dentro de homens
e mulheres
de aparências tão diferentes,
uma humanidade só:
o mesmo anseio, a mesma fome,
o mesmo sonho, o mesmo pó;
o mesmo sangue vermelho,
da cor da vida, da cor
do amor,
e mais:
o mesmo leite branco,
da cor da paz.
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J.G.de Araujo Jorge
Ouço uma fonte - Augusto Frederico Schmidt
Ouço uma fonte
É uma fonte noturna
Jorrando.
É uma fonte perdida
No frio.
É uma fonte invisível.
É um soluço incessante,
Molhado, cantando.
É uma voz lívida.
É uma voz caindo
Na noite densa
E áspera.
É uma voz que não chama.
É uma voz nua.
É uma voz fria.
É uma voz sozinha.
É a mesma voz.
É a mesma queixa.
É a mesma angústia,
Sempre inconsolável.
É uma fonte invisível,
Ferindo o silêncio,
Gelada jorrando,
Perdida na noite.
É a vida caindo
No tempo!
É uma fonte noturna
Jorrando.
É uma fonte perdida
No frio.
É uma fonte invisível.
É um soluço incessante,
Molhado, cantando.
É uma voz lívida.
É uma voz caindo
Na noite densa
E áspera.
É uma voz que não chama.
É uma voz nua.
É uma voz fria.
É uma voz sozinha.
É a mesma voz.
É a mesma queixa.
É a mesma angústia,
Sempre inconsolável.
É uma fonte invisível,
Ferindo o silêncio,
Gelada jorrando,
Perdida na noite.
É a vida caindo
No tempo!
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Histórias do vento - Adalgisa Nery
O vento veio correndo
Assoviando, gritando
Que vira a lua nascendo,
Que vira a estrela brilhando,
Que o beija-flor vira voando,
Que vira o rio cantando
E o fruto amarelando.
Que vira o orvalho caindo
Sobre a relva e sobre a flor,
Que vira a abelha zumbindo
Dentro das pétalas em cor.
Que vira a semente no chão,
Nas águas, o peixe mudo,
O pastor tangendo as ovelhas
Cantando por nada e por tudo.
O vento veio correndo,
Assoviando, cantando
Que vira o mais belo do mundo:
Uma criança nascendo,
Uma criança brincando,
Uma criança sorrindo, vivendo,
Uma criança cantando.
Assoviando, gritando
Que vira a lua nascendo,
Que vira a estrela brilhando,
Que o beija-flor vira voando,
Que vira o rio cantando
E o fruto amarelando.
Que vira o orvalho caindo
Sobre a relva e sobre a flor,
Que vira a abelha zumbindo
Dentro das pétalas em cor.
Que vira a semente no chão,
Nas águas, o peixe mudo,
O pastor tangendo as ovelhas
Cantando por nada e por tudo.
O vento veio correndo,
Assoviando, cantando
Que vira o mais belo do mundo:
Uma criança nascendo,
Uma criança brincando,
Uma criança sorrindo, vivendo,
Uma criança cantando.
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Leitura Natural - Affonso Romano de Sant’Anna
Tendo lido os jornais
- infectado a mente, enauseado os olhos -
descubro, lá fora, o azul do mar
e o verde repousante que começa nas samambaias da sala
e recrudesce nas montanhas.
Para que perco tantas horas do dia
nessas leituras necessárias e escarninhas?
Mais valeria, talvez, nas verdes folhas, ler
o que a vida anuncia.
Mas vivo numa época informada e pervertida.
Leio a vida que me imprimem
e só depois
o verde texto que me exprime.
- infectado a mente, enauseado os olhos -
descubro, lá fora, o azul do mar
e o verde repousante que começa nas samambaias da sala
e recrudesce nas montanhas.
Para que perco tantas horas do dia
nessas leituras necessárias e escarninhas?
Mais valeria, talvez, nas verdes folhas, ler
o que a vida anuncia.
Mas vivo numa época informada e pervertida.
Leio a vida que me imprimem
e só depois
o verde texto que me exprime.
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Affonso Romano de Sant’Anna
Ramo em flor - Hermann Hesse
Para cá e para lá
sempre se enclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.
sempre se enclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.
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Hermann Hesse
Canção - Cecília Meireles
Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...
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Cecília Meireles
Não basta abrir a janela - Alberto Caeiro / Fernando Pessoa
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também
Não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores:
Há idéias apenas.
Há só cada um de nós.
Há só uma janela fechada,
E todo o mundo lá fora;
E um sonho do que poderia
Ver, se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê
Quando abre a janela.
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também
Não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores:
Há idéias apenas.
Há só cada um de nós.
Há só uma janela fechada,
E todo o mundo lá fora;
E um sonho do que poderia
Ver, se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê
Quando abre a janela.
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Fernando Pessoa
Verdes são os campos - Luís Vaz de Camões
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
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Último poema do marinheiro - Thiago de Mello
O marinheiro encontrou o seu caminho no mar.
Mas uma noite, de repente,
o mar foi vazando, vazando,
até que secou completamente.
Seu barco, solitário
sobre o fundo do abismo,
torna-se uma coisa grotesca e sem sentido.
Estrangeiro entre os homens da terra,
caminha o marinheiro por estradas inúteis,
levando nos olhos um mistério verde
e na boca o amargor de tanto sal.
Contudo, nas noites de muito vento,
debruça-se na murada do tempo
e, enquanto espera o retorno do mar,
inaugura caminhos de cinza e de nada.
Mas uma noite, de repente,
o mar foi vazando, vazando,
até que secou completamente.
Seu barco, solitário
sobre o fundo do abismo,
torna-se uma coisa grotesca e sem sentido.
Estrangeiro entre os homens da terra,
caminha o marinheiro por estradas inúteis,
levando nos olhos um mistério verde
e na boca o amargor de tanto sal.
Contudo, nas noites de muito vento,
debruça-se na murada do tempo
e, enquanto espera o retorno do mar,
inaugura caminhos de cinza e de nada.
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Teologal - Adélia Prado
Agora é definitivo:
uma rosa é mais que uma rosa.
Não há como deserdá-la
de seu destino arquetípico.
Poetas que vão nascer
passarão noites em claro
rendidos à forma prima:
a rosa é mística.
uma rosa é mais que uma rosa.
Não há como deserdá-la
de seu destino arquetípico.
Poetas que vão nascer
passarão noites em claro
rendidos à forma prima:
a rosa é mística.
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Cântico II - Cecília Meireles
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
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Canto esponjoso - Carlos Drummond de Andrade
Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfêmia.
Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.
Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfêmia.
Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.
Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.
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Nuvens correndo num rio - Natália Correia
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe. Natália Correia
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe. Natália Correia
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Natália Correia
Moro na possibilidade - Emily Dickinson
Moro na possibilidade
Casa mais bela que a prosa,
Com muito mais janelas
E bem melhor, pelas portas
De aposentos inacessíveis
Como são, para o olhar, os cedros,
E tendo por forro perene
Os telhados do céu
Visitantes, só os melhores;
Por ocupação, só isto:
Abrir amplamente minhas mãos estreitas
Para agarrar o paraíso. Emily Dickinson
Casa mais bela que a prosa,
Com muito mais janelas
E bem melhor, pelas portas
De aposentos inacessíveis
Como são, para o olhar, os cedros,
E tendo por forro perene
Os telhados do céu
Visitantes, só os melhores;
Por ocupação, só isto:
Abrir amplamente minhas mãos estreitas
Para agarrar o paraíso. Emily Dickinson
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Emily Dickinson
Asas e Asares - Paulo Leminski
Voar com a asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno,
quando o tempo
estava todo ao meu lado
e o que se chama passado, passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher entre um abismo,
o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde.
Voar, isso não dói.
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno,
quando o tempo
estava todo ao meu lado
e o que se chama passado, passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher entre um abismo,
o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde.
Voar, isso não dói.
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Só - Edgar Allan Poe
Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.
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Obsessão do mar oceano - Mário Quintana
Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
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