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Os Sinos - Manuel Bandeira

Sino de Belém,
Sino da paixão...

Sino de Belém,
Sino da paixão...

Sino do Bonfim!...
Sino do Bonfim!...

Sino de Belém, pelos que ainda vêm!
Sino de Belém, bate bem-bem-bem.

Sino da paixão, pelos que ainda vão!
Sino da paixão, bate bão-bão-bão.

Sino do Bonfim, por que chora assim?...

Sino de Belém, que graça ele tem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.

Sino da paixão. - pela minha irmã!
Sino da paixão. - pela minha mãe!

Sino do Bonfim, que vai ser de mim?...

Sino de Belém, como soa bem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.

Sino da paixão... Por meu pai?...-Não! Não!
Sino da paixão bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, baterás por mim?...

Sino de Belém,
Sino da paixão...
Sino da paixão, pelo meu irmão...

Sino da paixão,
Sino do Bonfim...
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!

Sino de Belém, que graça ele tem!

Rancho das flores - Vinícius de Moraes

Entre as prendas com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar
É um milagre
De aroma florido
Mais lindo que toda as graças do céu
E até mesmo do mar

Olhem bem para a rosa
Não há mais formosa
É a flor dos amantes
É a rosa-mulher
Que em perfume e nobreza
Vem antes do cravo
E do lírio e da hortênsia
E da dália e do bom crisântemo
E até mesmo do puro e gentil malmequer

E reparem no cravo
O escravo da rosa
Que flor mais cheirosa
De enfeite sutil

E no lírio que causa o delírio da rosa
O martírio da alma da rosa
Que é a flor mais vaidosa e mais prosa
Entre as flores do nosso Brasil

Abram alas pra dália garbosa
Da cor mais vistosa
Do grande jardim da existência das flores
Tão cheio de cores gentis
E também para a hortênsia inocente
A flor mais contente
No azul do seu corpo macio e feliz

Satisfeita da vida
Vem a margarida
Dos que têm paixão
E agora é a vez
Da papoula vermelha
A que dá tanto mel pras abelhas
E alegra este mundo tão triste
Com a cor que é a do meu coração

E agora aqui temos o bom crisântemo
Seu nome cantemos em verso e em prosa
Porém que não tem a beleza da rosa

Que uma rosa não é só uma flor
Uma rosa é uma rosa é uma rosa
É a mulher rescendendo de amor.

Soneto da rosa - Vinícius de Moraes

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude

Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Soneto da separação - Vinícius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se espuma
E das mãos espalmadas fez-se espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente não mais que de repente.

Aurora boreal - António Gedeão


Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.


As Cores De Abril - Vinícius de Moraes

As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor

O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor

Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção

Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão

Abismo - Carlucio O. Bicudo



Você se foi...
Mas tua marca ficou.
A dor que me abate
Na negritude da noite
Faz rolar por minha face
Lágrimas de paixão e amor.

Lenda indígena de como nasceu o Amazonas - Gastón Figueira

Rio maravilhoso: eu sei como nasceste...
Eu sei que há muitos anos, há milênios,
a Lua e o Sol se amaram...
Mas, para o bem da Terra,
esse nascente amor sacrificaram
...porque, se a Lua e o Sol
algum dia se unissem,
o mundo acabaria inundado
pelas apaixonadas lágrimas da Lua,
ou queimado pelo constante e ardente amor do Sol...
Era, pois, impossível, dolorosa, essa imensa paixão!
À Lua, fraca, sensível,
o carinho arrancaria lágrimas ternas e doces.
O Sol, forte, abrasador,
seus raios aumentaria com o amor.
E o mundo, então, seria todo de Água ou de Fogo,
que jamais podem unir-se...
Por isso, a Lua e o Sol
seu amor sacrificaram:para sempre,
se afastaram, tomando rumos distintos...
E, nessa noite,
a Lua, sozinha, sozinha,
ferida de amor, chorou,
Suas lágrimas caíram na superfície do mar;
mas, também, foi impossível misturar o pranto doce da Lua
com o pranto amargo do mar.
Toda aquela tristeza e toda aquela dor
mudaram-se em beleza..
pois, das lágrimas doces vertidas pela Lua,
grande, maravilhoso,
um rio se formou...


Onde está a mãe? - Joaquim Pessoa




A Mãe está onde está a camisa púrpura
e onde a tempestade sacode a espuma dos gerânios.
Onde se apagou a lareira e esse fogo bom
na parede dos ossos. Está no musgo que cresce
nos velhos pinheiros de onde a noite pende.

A Mãe está nas arestas do corpo onde
o toiro respira e se espreguiça a andorinha.
Onde a ansiedade apoquenta, onde resvala
o coração sujo de melancolia, negro,
negro como o motor de um corvo. Está
no Livro da Morfina, nos tocadores de viola
com grandes pés de anjo e nos operários construindo
paredes de lume em andaimes de cinza.
A Mãe está onde o moinho escondido
trabalha no peito com a roda do olhar.

Onde ainda arde a madeira verde das estrelas.
Onde o tiro parte e se agita o vento. A Mãe
está na noite que vaza as veias por uma ferida
no ventre. No parto dos pássaros. No som
dos ossos quando partem. A Mãe está nua
interrogando-se como um navegador sem sexo
onde o cão lambe o medo desses peixes azuis.
Na insatisfação e no martírio de uma água inteira.
Nas margens da minha cabeça. No aroma fixo
dos espelhos. A Mãe está na viagem das semanas.
No pólen e na rede. Na pedra parada. Na pedra que voa.
Está na paixão dos olhos. Nos bosques do sangue, nas
clareiras do sangue, na chuva em catedral.

A Mãe está no crime dos heróis. Nos joelhos
do rio. Na cama, na doce cama dos salgueiros.
Nos riachos do orvalho. No lume da cebola.
A Mãe está nos ombros de cada um dos meus instantes.
Onde a emoção se diz e se suspende. Onde
a noite e a língua se observam. Onde nascem
equilíbrios. Onde os crânios e as lâmpadas arriscam.

A Mãe está nos pulmões do meu abismo. Está
no lenço rasgado das roseiras. E na ira do frio.
No chicote das palavras. No silvo. No sítio
do poema. Onde tudo é brusco e arde. Aí,
nessa carne da dúvida, sem dúvida, está a Mãe.