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Aproveita o dia - Walt Whitman

Não deixes que termine 
sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz, 
sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue 
o direito de expressar-te, 
que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia
de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer
que as palavras e as poesias sim 
podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar, 
nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina,
nos converte em protagonistas 
de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, 
a poderosa obra continua,
tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar,
porque só nos sonhos 
pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso.
Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples,
se pode fazer poesia bela, 
sobre as pequenas coisas.
Não atraiçoes tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação,
mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca 
ter a vida toda a diante.
Procures vivê-la intensamente 
sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro,
e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te
as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida 
se passe sem teres vivido…


O Arco - Carlos Drummond de Andrade


Que quer o anjo? Chamá-la
O que quer a alma? perder-se
Perder-se em rudes guianas
para jamais encontrar-se.

Que quer a voz? encantá-lo.
Que quer o ouvido? Embeber-se
de gritos blasfematórios
até que dar aturdido.

Que quer a nuvem? raptá-lo,
Que quer o corpo? solver-se,
delir memória de vida
e quanto seja memória.

Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo
para na treva fundir-se.

Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao permeio de uma canção.


Acordar, viver - Carlos Drummond de Andrade


Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.


A Partida - Dante Milano


Chego à amurada do cais,
Tomo um trago de tristeza.
Vem uma aura de beleza
Entontecer-me ainda mais.

Sinto um gosto de paixão
Dentro da boca amargosa.
Vem a morte deliciosa
Arrastar-me pela mão.

Vou seguindo sem olhar,
Vou andando sem rumor,
Ouvindo a vaga do mar
Bater na pedra da dor.

Vou andando sobre o mar,
Quem sabe onde irei parar?
Vou andando sem saber
Aonde me leva este amor.


O poeta - Vinícius de Moraes


(A aparição do poeta)

I
Quantos somos, não sei...
Somos um, talvez dois, três, talvez, quatro;
cinco, talvez nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil
e cujos restos encheriam doze terras
Quantos, não sei... Só sei que somos muitos -
o desespero da dízima infinita
E que somos belos deuses mas somos trágicos.

Viemos de longe... Quem sabe no sono de Deus
tenhamos aparecido como espectros
Da boca ardente dos vulcões
ou da órbita cega dos lagos desaparecidos
Quem sabe tenhamos germinado misteriosamente
do sono cauterizado das batalhas
Ou do ventre das baleias quem sabe tenhamos surgido?

Viemos de longe - trazemos em nós o orgulho do anjo rebelado
Do que criou e fez nascer o fogo da ilimitada
e altíssima misericórdia
Trazemos em nós o orgulho de sermos úlceras
no eterno corpo de Jó
E não púrpura e ouro no corpo efêmero de Faraó.

Nascemos da fonte e viemos puros porque herdeiros do sangue
E também disformes porque - ai dos escravos!
não há beleza nas origens
Voávamos - Deus dera a asa do bem
e a asa do mal às nossas formas impalpáveis
Recolhendo a alma das coisas para o castigo
e para a perfeição na vida eterna.

Nascemos da fonte e dentro das eras vagamos
como sementes invisíveis
o coração dos mundos e dos homens
Deixando atrás de nós o espaço como a memória latente
da nossa vida anterior
Porque o espaço é o tempo morto -
e o espaço é a memória do poeta
Como o tempo vivo é a memória do homem sobre a terra.

Foi muito antes dos pássaros -
apenas rolavam na esfera os cantos de Deus
E apenas a sua sombra imensa cruzava o ar como um farol alucinado...
Existíamos já...
No caos de Deus girávamos como o pó prisioneiro da vertigem
Mas de onde viéramos nós e por que privilégio recebido?

E enquanto o eterno tirava da música vazia a harmonia criadora
E da harmonia criadora a ordem dos seres e da ordem dos seres o amor
E do amor a morte e da morte o tempo e do tempo o sofrimento
E do sofrimento a contemplação e da contemplação a serenidade ínperecível

Nós percorríamos como estranhas larvas a forma patética dos astros
Assistimos ao mistério da revelação dosTrópicos e dos Signos
Como, não sei... Éramos a primeira manifestação da divindade
Éramos o primeiro ovo se fecundando à cálida centelha.

Vivemos o inconsciente das idades
nos braços palpitantes dos ciclones
E as germinações da carne
no dorso descarnado dos luares
Assistimos ao mistério da revelação dos Trópicos e dos Signos
E a espantosa encantação dos eclipses e das esfinges.

Descemos longamente o espelho contemplativo
das águas dos rios do Éden
E vimos, entre os animais,
o homem possuir doidamente a fêmea sobre a relva
Seguimos… E quando o decurião feriu o peito de Deus crucificado
Como borboletas de sangue brotamos da carne aberta
e para o amor celestial voamos.

Quantos somos, não sei...
somos um, talvez dois, três, talvez quatro;
cinco, talvez, nada
Talvez a multiplicação de cinco mil
e cujos restos encheriam doze terras
Quantos, não sei…
Somos a constelação perdida que caminha largando estrelas
Somos a estrela perdida que caminha desfeita em luz.


II

E uma vez, quando ajoelhados assistíamos à dança nua das auroras
Surgiu do céu parado como uma visão de alta serenidade
Uma branca mulher de cujo sexo a luz jorrava em ondas
E de cujos seios corria um doce leite ignorado.

Oh, como ela era bela! era impura - mas como ela era bela!
Era como um canto ou como uma flor brotando ou como um cisne
Tinha um sorriso de praia em madrugada e um olhar evanescente
E uma cabeleira de luz como uma cachoeira em plenilúnio.

Vinha dela uma fala de amor irresistível
Um chamado como uma canção noturna na distância
Um calor de corpo dormindo e um abandono de onda descendo
Uma sedução de vela fugindo ou de garça voando.

E a ela fomos e a ela nos misturamos e a tivemos...
Em véus de neblina fugiam as auroras nos braços do vento
Mas que nos importava
se também ela nos carregava nos seus braços
E se o seu leite sobre nós escorria e pelo céu?

Ela nos acolheu, estranhos parasitas, pelo seu corpo desnudado
E nós a amamos e defendemos e nós no ventre a fecundamos
Dormíamos sobre os seus seios apoiados ao clarão das tormentas
E desejávamos ser astros para inda melhor compreendê-la.

Uma noite o horrível sonho
desceu sobre as nossas almas sossegadas
A amada ia ficando gelada e silenciosa -
luzes morriam nos seus olhos...
Do seu peito corria o leite frio
e ao nosso amor desacordada
Subiu mais alto e mais além,
morta dentro do espaço.

Muito tempo choramos
e as nossas lágrimas inundaram a terra
Mas morre toda a dor ante a visão dolorosa da beleza
Ao vulto da manhã sonhamos a paz e a desejamos
Sonhamos a grande viagem através da serenidade das crateras.

Mas quando as nossas asas vibraram no ar dormente
Sentimos a prisão nebulosa de leite envolvendo as nossas espécies
A Via Láctea - o rio da paixão correndo sobre a pureza das estrelas
A linfa dos peitos da amada que um dia morreu.

Maldito o que bebeu o leite dos seios da virgem
que não era mãe mas era amante
Maldito o que se banhou na luz
que não era pura mas ardente
Maldito o que se demorou na contemplação do sexo
que não era calmo mas amargo
O que beijou os lábios
que eram como a ferida dando sangue!

E nós ali ficamos, batendo as asas libertas,
escravos do misterioso plasma
Metade anjo, metade demônio,
cheios de euforia do vento e da doçura do cárcere remoto
Debruçados sobre a terra,
mostrando a maravilhosa essência da nossa vida
Lírios, já agora turvos lírios das campas,
nascidos da face lívida da morte.


III

Mas vai que havia por esse tempo nas tribos da terra
Estranhas mulheres de olhos parados e longas vestes nazarena
Que tinham o plácido amor nos gestos tristes e sereno
E o divino desejo nos frios lábios anelantes.

E quando as noites estelares fremiam nos campos sem lua
E a Via Láctea como uma visão de lágrimas surgia
Elas beijavam de leve a face do homem dormindo no feno
E saíam dos casebres ocultos, pelas estradas murmurantes.

E no momento em que a planície escura
beijava os dois longínquos horizontes
E o céu se derramava iluminadamente sobre a várzea
Iam as mulheres e se deitavam no chão paralisadas
As brancas túnicas abertas e o branco ventre desnudado.

E pela noite adentro elas ficavam, descobertas
O amante olhar boiando sobre a grande plantação de estrelas
No desejo sem fim dos pequenos seres de luz alcandorados
Que palpitavam na distância numa promessa de beleza.

E tão eternamente os desejavam e tão na alma os possuíam
Que às vezes desgravitados uns despenhavam-se no espaço
E vertiginosamente caíam numa chuva de fogo e de fulgores
Pelo misterioso tropismo subitamente carregados.

Nesse instante, ao delíquio de amor das destinadas
Num milagre de unção, delas se projetava à altura
Como um cogumelo gigantesco um grande útero fremente
Que ao céu colhia a estrela e ao ventre retornava.

E assim pelo ciclo negro da pálida esfera através do tempo
Ao clarão imortal dos pássaros de fogo cruzando o céu noturno
As mulheres, aos gritos agudos da carne rompida de dentro
Iam se fecundando ao amor puríssimo do espaço.

E às cores da manhã elas voltavam vagarosas
Pelas estradas frescas, através dos vastos bosques de pinheiros
E ao chegar, no feno onde o homem sereno inda dormia
Em preces rituais e cantos místicos velavam.

Um dia mordiam-lhes o ventre, nas entranhas -
entre raios de sol vinha tormenta…
Sofriam... e ao estridor dos elementos confundidos
Deitavam à terra o fruto maldito de cuja face transtornada
As primeiras e mais tristes lágrimas desciam.

Tinha nascido o poeta. Sua face é bela, seu coração é trágico
Seu destino é atroz; ao triste materno beijo mudo e ausente
Ele parte! Busca ainda as viagens eternas da origem
   Sonha ainda a música um dia ouvida em sua essência.  



Segunda Rosa de Sarom - Afonso Estebanez


Já contei muitas vidas de braços abertos
inaugurando na alma as tuas primaveras
revividas nas flores dos jardins desertos
onde te resto como lírios entre as heras.

Aqui estou apascentando os teus afetos
como pastor do sol no vale das esperas
onde conduzo rosas em jardins abertos
a claros vales verdejantes de quimeras.

Rosas são páginas escritas de carinhos
registradas nas pétalas pelos espinhos
do meu secreto descaminho da paixão.

E rosas vivem pelo dom da eternidade
das minhas rosas no finito da saudade
onde repousa a rosa do meu coração.



Quando Anoitece - Graça Pires

Quando anoitece
 contorno no meu rosto
 o perfil do dia que passou
 e tudo o que não sou
 me contradiz.

 Quando anoitece
 atravesso um labirinto
 caiado de paixão,
 pretexto circular
 da minha fé.

 Quando anoitece
 faço emergir do abismo
 um instinto quase secreto
 e fujo da noite,
 em vertiginosa simetria com o vento,
 como se fosse um equívoco
 esperar a madrugada
 com a mesma lentidão
 de um acto íntimo.

 Contra um muro branco
 esta lonjura gémea do vento.

 Uma casa ou um regaço
 alternando a desordem
 de corpos molhados
 numa dicotomia simulada
 quando o prazer
 é o reflexo nítido
 de um coágulo de azul
 queimado sobre madrepérolas.

 São corais que no fundo da água
 não quebram as vagas silvestres.

 Nasci agora
 enquanto uma andorinha
 baloiçava no espelho
 atravessado de pólen.

 Sou, sílaba por sílaba,
 o luto ou a negação
 de desumanos deuses.

 Quando anoitece...




Soneto de maior amor - Vinícius de Moraes


Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.



As Cores de Abril - Vinícius de Moraes

 As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor

O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor

Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção

Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão.


Maturidade - Lya Luft



Caminho entre as minhas perdas
que são insetos escuros,
e os meus ganhos: douradas borboletas.

A luz de uma paixão, o dedo da morte,
o grave pincel da solidão
desenharam meus contornos, firmaram
meu chão.

Que liberdade, não precisar pensar;
que alívio não ter de administrar
minha vida:
apenas andar, e olhar,
apenas ouvir essas vozes
que vêm de longe, passam por mim
e não me dão importância.

Porque no vasto oceano,
a minha eventual desarmonia
é só uma gota
desafinada.
Mais nada.


Onde está a mãe? - Joaquim Pessoa




A Mãe está onde está a camisa púrpura
e onde a tempestade sacode a espuma dos gerânios.
Onde se apagou a lareira e esse fogo bom
na parede dos ossos. Está no musgo que cresce
nos velhos pinheiros de onde a noite pende.

A Mãe está nas arestas do corpo onde
o toiro respira e se espreguiça a andorinha.
Onde a ansiedade apoquenta, onde resvala
o coração sujo de melancolia, negro,
negro como o motor de um corvo. Está
no Livro da Morfina, nos tocadores de viola
com grandes pés de anjo e nos operários construindo
paredes de lume em andaimes de cinza.
A Mãe está onde o moinho escondido
trabalha no peito com a roda do olhar.

Onde ainda arde a madeira verde das estrelas.
Onde o tiro parte e se agita o vento. A Mãe
está na noite que vaza as veias por uma ferida
no ventre. No parto dos pássaros. No som
dos ossos quando partem. A Mãe está nua
interrogando-se como um navegador sem sexo
onde o cão lambe o medo desses peixes azuis.
Na insatisfação e no martírio de uma água inteira.
Nas margens da minha cabeça. No aroma fixo
dos espelhos. A Mãe está na viagem das semanas.
No pólen e na rede. Na pedra parada. Na pedra que voa.
Está na paixão dos olhos. Nos bosques do sangue, nas
clareiras do sangue, na chuva em catedral.

A Mãe está no crime dos heróis. Nos joelhos
do rio. Na cama, na doce cama dos salgueiros.
Nos riachos do orvalho. No lume da cebola.
A Mãe está nos ombros de cada um dos meus instantes.
Onde a emoção se diz e se suspende. Onde
a noite e a língua se observam. Onde nascem
equilíbrios. Onde os crânios e as lâmpadas arriscam.

A Mãe está nos pulmões do meu abismo. Está
no lenço rasgado das roseiras. E na ira do frio.
No chicote das palavras. No silvo. No sítio
do poema. Onde tudo é brusco e arde. Aí,
nessa carne da dúvida, sem dúvida, está a Mãe.