Não existe esquecer - Pablo Neruda

Se me perguntais onde estive
devo dizer “Ocorre”.
Devo falar do limo que escurece as pedras,
do rio que durando se destrói:
Nada sei além das coisas que os pássaros perderam,
o mar deixado atrás ou minha irmã chorando.
Por que tantas regiões, por que um dia
se junta a outro dia? Por que uma negra noite
se acumula na boca? Por que há mortos?

Se me perguntais de onde venho, terei que conversar
com coisas mortas,
com utensílios demasiado amargos,
com grandes bestas geralmente pútridas
e com o meu angustiado coração.
Não são lembranças daqueles que se foram
nem a pomba amarelecida que dorme no esquecimento.
Apenas rostos com lágrima,
dedos na garganta
e o que se desmorona das folhas,
a obscuridade de um dia transcorrido,
de um dia alimentado com nosso triste sangue.

Eis aqui violetas, andorinhas,
tudo o que nos apraz e que aparece
nesses cartões-postais de cauda longa
por onde passeiam o tempo e a doçura.
Além desses dentes, porém, não penetremos,
nem mordamos as cascas que o silêncio acumula.
Porque não sei que responder:
Há tantos mortos
 e tantos paredões que o rubro sol partia
e tantas cabeças batendo contra os barcos
e tantas mãos que encarceravam beijos
e tantas coisas que desejo esquecer.




3 comentários:

  1. Neruda, o poeta do amor...que eu gosto muito.

    Beijinho

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  2. Eu também, JP.
    Bom final de semana!

    Beijo :)

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  3. tantas mãos que encarceravam beijos
    e tantas coisas que desejo esquecer.
    Tão bonito...

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