Grão de Chão - Thiago de Mello
Folha, mas viva na árvore,
fazendo parte do verde.
Não a folha solta,
bailando no vento
a canção da agonia.
Grão de areia, quase nada,
Inútil quando sozinho.
Mas que é terra,
a terra,
quando é grão
fazendo parte do chão,
esta coisa firme
por onde o homem caminha.
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Thiago de Mello
As gardênias, ah! - Marina Colasanti
Branca é a gardênia
como a garça.
E como a garça guarda
entre toques de leite
sombras quase de poço
esverdeadas.
As pétalas da flor
iguais às plumas
têm um mover-se imóvel
um volteio
como se vento houvesse
ou sopro
sempre.
As garças voam.
Mas as gardênias,
ah! as gardênias
evolam pelo ar
o seu perfume.
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Marina Colasanti
Biografia - Carlos Nejar
Não tive biografia
mas metáforas.
Manga na praça
foi a infância.
A alma dividida
de nascença.
Com ela o mundo
arfava em cada coisa.
O amor inchava
o sol de maresia.
Inchava na palavra
e as velas iam.
Vivi sofri - eis tudo
e o vivido
arrasta o barco
pelo mar que é findo.
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Carlos Nejar
Do Medo - Luis Filipe C. Mendes
Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.
Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.
Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema
desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.
Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.
Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema
desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.
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Luis Filipe Castro Mendes
Dia - Octavio Paz
De que céu caído,
oh insólito,
imóvel solitário na onda do tempo?
És a duração,
o tempo que amadurece
num instante enorme, diáfano:
flecha no ar,
branco embelezado
e espaço já sem memória de flecha.
Dia feito de tempo e de vazio:
desabitas-me, apagas
meu nome e o que sou,
enchendo-me de ti: luz, nada.
E flutuo, já sem mim, pura existência.
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Octavio Paz
Dei de comer aos pássaros - Cecília Meireles
Dei de comer aos pássaros,
dei de beber à terra.
Procurei os trabalhos do mundo:
não conduzem a nada.
Ninguém é feliz à custa de outrem.
O próximo fica muito distante
e alheio ao nosso amor.
Os pássaros comeram
e a terra bebeu pelas minhas mãos.
Mas os homens ouviram meu pensamento
e gostaram apenas das minhas palavras,
sem fome nem sede.
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Cecília Meireles
Relatório Lírico - Hélio Pellegrino
Hoje sonhei contigo. Amanhã
Sonharei contigo. Depois de
Amanhã sonharei contigo, de
Novo. E novamente sonharei
Contigo, depois, e depois,
Enquanto gire a cor dos calendários.
Sonho contigo dia e noite. E te
Cumprimento, apenas, noite e
Dia, e te digo — dia e noite —
As palavras banais de todo o
Dia. Diariamente sofro a tua
Presença, de noite e de dia,
Em todas as horas do dia te
Sonho de noite, e pela noite
Me apareces como o dia — Carmen,
Rosa, poesia, macia flor, feita
De noite e de dia.
Sonharei contigo. Depois de
Amanhã sonharei contigo, de
Novo. E novamente sonharei
Contigo, depois, e depois,
Enquanto gire a cor dos calendários.
Sonho contigo dia e noite. E te
Cumprimento, apenas, noite e
Dia, e te digo — dia e noite —
As palavras banais de todo o
Dia. Diariamente sofro a tua
Presença, de noite e de dia,
Em todas as horas do dia te
Sonho de noite, e pela noite
Me apareces como o dia — Carmen,
Rosa, poesia, macia flor, feita
De noite e de dia.
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Hélio Pellegrino
Louca - Mário Quintana
Súbito
Em meio àquele escuro quarteirão fabril
Das minhas mãos se escapou um pássaro maravilhoso
E eu te amei como quem solta um grito,
Ó Lua enorme
Incompreensível...
Por que sempre me espantas e me assustas, Louca,
Como se eu te visse sempre pela primeira vez?!
Em meio àquele escuro quarteirão fabril
Das minhas mãos se escapou um pássaro maravilhoso
E eu te amei como quem solta um grito,
Ó Lua enorme
Incompreensível...
Por que sempre me espantas e me assustas, Louca,
Como se eu te visse sempre pela primeira vez?!
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Mário Quintana
Amo as horas nocturnas - Rainer Maria Rilke
Amo as horas nocturnas do meu ser
em que se me aprofundam os sentidos;
nelas fui eu achar, como em cartas velhíssimas,
já vivida a vida dos meus dias
e como lenda longínqua e superada.
Delas eu aprendi que tenho espaço
para uma segunda vida, vasta e sem tempo.
E por vezes me sinto como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino que foi
(em volta do qual se apertam suas raízes quentes)
perdeu em tristezas e canções.
em que se me aprofundam os sentidos;
nelas fui eu achar, como em cartas velhíssimas,
já vivida a vida dos meus dias
e como lenda longínqua e superada.
Delas eu aprendi que tenho espaço
para uma segunda vida, vasta e sem tempo.
E por vezes me sinto como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino que foi
(em volta do qual se apertam suas raízes quentes)
perdeu em tristezas e canções.
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No sul - Friedrich Nietzsche
Eis-me suspenso a um galho torto
E balançando aqui meu cansaço.
Sou convidado de um passarinho
E aqui repouso, onde está seu ninho.
Mas onde estou? Ai, longe, no espaço.
O mar, tão branco, dormindo absorto,
E ali, purpúrea, vai uma vela.
Penhascos, idílios, torres e cais,
Balir de ovelhas e figueirais.
Sul da inocência, me acolhe nela!
Só a passo e passo - é como estar morto,
O pé ante pé faz o alemão pesar.
Mandei o vento levar-me ao alto,
Aprendi com pássaros leveza e salto -
Ao sul voei, por sobre o mar.
[...]
E balançando aqui meu cansaço.
Sou convidado de um passarinho
E aqui repouso, onde está seu ninho.
Mas onde estou? Ai, longe, no espaço.
O mar, tão branco, dormindo absorto,
E ali, purpúrea, vai uma vela.
Penhascos, idílios, torres e cais,
Balir de ovelhas e figueirais.
Sul da inocência, me acolhe nela!
Só a passo e passo - é como estar morto,
O pé ante pé faz o alemão pesar.
Mandei o vento levar-me ao alto,
Aprendi com pássaros leveza e salto -
Ao sul voei, por sobre o mar.
[...]
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Nietzsche
Cantilena Para Um Tocador de Flauta Cego - Marguerite Yourcenar
Flauta da noite que se cerra,
Presença líquida de um pranto,
Todos os silêncios da terra
São as pérolas do teu canto.
Espalha teu pólen na alfombra
Do catre que por fim te açoite
Mel de uma boca de sombra
Como um beijo na boca da noite
E pois que as escalas que cansas
Nos dizem que o dia acabou,
Faz-nos crer que os céus dançam
Porque um cego cantou.
Presença líquida de um pranto,
Todos os silêncios da terra
São as pérolas do teu canto.
Espalha teu pólen na alfombra
Do catre que por fim te açoite
Mel de uma boca de sombra
Como um beijo na boca da noite
E pois que as escalas que cansas
Nos dizem que o dia acabou,
Faz-nos crer que os céus dançam
Porque um cego cantou.
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Marguerite Yourcenar
Moinho - Cassiano Ricardo
A esperança mói
A esperança dói.
A esperança mói,
a esperança
dói porque mói;
A esperança mói;
a esperança
dói porque dói.
A esperança mói
mói mói
dói.
A esperança dói.
A esperança mói,
a esperança
dói porque mói;
A esperança mói;
a esperança
dói porque dói.
A esperança mói
mói mói
dói.
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Cassiano Ricardo
Coisa miserável - Carlos Drummond de Andrade
Coisa miserável,
suspiro de angústia
enchendo o espaço,
vontade de chorar,
coisa miserável,
miserável.
Senhor, piedade de mim,
olhos misericordiosos
pousando nos meus,
braços divinos
cingindo meu peito,
coisa miserável
no pó sem consolo
consolai-me.
Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe
ou, quem sabe? para um céu vazio.
É melhor sorrir
(sorrir gravemente)
e ficar calado
e ficar fechado
entre duas paredes,
sem a mais leve cólera
ou humilhação.
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Carlos Drummond de Andrade
Haiti - Nádia Dantas
O tremor. A poeira. Os escombros.
O gemido. O grito. A escuridão.
A ruína. O espanto. A desolação
O desamparo. A insegurança. A dor.
A fragilidade. A agonia. A morte.
A noite...
O silêncio...
A morte...
O silêncio.
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Nádia Dantas
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