Falou e disse um pássaro,
dois sóis, uma pequena estrela.
Falou para que calássemos
e disse amor, penúria, brevidade.
E disse disse disse
a idade da eternidade.
E por vezes as noites duram meses - David Mourão-Ferreira
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
David Mourão-Ferreira
Reminiscência - Eunice Arruda
A menina ficou
atrás
Hoje carrega desejos
E mais peças de roupa
Por sobre
Um corpo todavia
Vertical
Apenas o rosto diz
De fugas
E do vaso
Quebrado e esquecido
No fundo do
Quintal.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Eunice Arruda
O estudante empírico - Cecília Meireles
Eu, estudante empírico.
fecho o livro e contemplo.
Eis o globo, o planisfério terrestre,
o planisfério celeste,
o redondo horizonte, a ilusão dos firmamentos.
E a nossa existência.
Eis o compasso, o esquadro,
a balança, a pirâmide,
o cone, o cilindro, o cubo,
o peso, a forma, a proporção, as equivalências.
E o nosso itinerário.
Saem das suas caixas os mistérios:
desenrola-se o mapa dos ossos, com seus nomes;
o sangue desenha sua floresta azul;
cada órgão cumpre um trabalho enigmático:
estamos repletos de esfinges certeiras.
E o nosso corpo.
E os dinossauros são como carros de triunfo,
reduzidos à armação;
e no olho profundo do microscópio
a célula anuncia.
E o nosso destino.
O professor escreve no quadro o Alfa e o Ômega .
A luz de Sírius ainda lança escadas em contínua cascata.
E lentamente subo e fecho os olhos
e sonho saber o que não se sabe
simplesmente acordado.
Grande aula, a do silêncio.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
Brisa - Sophia de Mello B. Andresen
Que branca mão na brisa se despede?
Que palavra de amor
A noite de Maio em si recebe e perde?
Desenha-te o luar como uma estátua
Que no tempo não fica
Quem poderá deter
O instante que não pára de morrer?
Que palavra de amor
A noite de Maio em si recebe e perde?
Desenha-te o luar como uma estátua
Que no tempo não fica
Quem poderá deter
O instante que não pára de morrer?
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Sophia de Mello B. Andresen
Pequena flor - Cecília Meireles
Como pequena flor que recebeu uma chuva enorme
E se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotas
Na seda frágil e preservar o perfume que aí dorme.
E vê passarem as leves borboletas livremente,
E ouve cantarem os pássaros acordados sem angústia,
E o sol claro do dia às claras estátuas beijando sente.
E espera que se desprenda o excessivo, úmido orvalho
Pousado, trêmulo, e sabe que talvez o vento
A libertasse, porém a desprenderia do galho.
E nesse tremor e esperança aguarda o mistério transida
- Assim repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
Há um coração nas lânguidas tardes que envolvem a vida.
E se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotas
Na seda frágil e preservar o perfume que aí dorme.
E vê passarem as leves borboletas livremente,
E ouve cantarem os pássaros acordados sem angústia,
E o sol claro do dia às claras estátuas beijando sente.
E espera que se desprenda o excessivo, úmido orvalho
Pousado, trêmulo, e sabe que talvez o vento
A libertasse, porém a desprenderia do galho.
E nesse tremor e esperança aguarda o mistério transida
- Assim repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
Há um coração nas lânguidas tardes que envolvem a vida.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
Finisterrae - Renata Pallottini
Aqui começa o fim
Feito de vento.
Enlouqueceu a bússola
Do tempo.
Naufragam as certezas
Do infinito.
Aqui se acaba o mapa
Nasce o mito.
Aqui começa a morte
Em naves findas .
Aqui começa o medo.
Como um grito.
Feito de vento.
Enlouqueceu a bússola
Do tempo.
Naufragam as certezas
Do infinito.
Aqui se acaba o mapa
Nasce o mito.
Aqui começa a morte
Em naves findas .
Aqui começa o medo.
Como um grito.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Renata Pallottini
A louca - Augusto dos Anjos
Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.
Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.
Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
- O segredo d’um peito torturado -
E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.
Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.
Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
- O segredo d’um peito torturado -
E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Augusto dos Anjos
O Plantador de Girassóis - Flora Figueiredo
Lá vai ele semeando azuis.
Passa por terras ácidas,
por marés graves,
que converte em focos de luz.
Deve ter uma orquestra no bolso
e sementes de sol no coração.
A fila cresce:
o que admira,
a que suspira,
a que padece.
O semeador avança,
a orquestra toca,
o mundo, sem querer, entra na dança.
A festa aumenta.
Se a noite ciumenta se apresenta
e em protesto espalha seu negrume,
o semeador derrete a escuridão:
seduz a estrela e acende um vagalume.
Passa por terras ácidas,
por marés graves,
que converte em focos de luz.
Deve ter uma orquestra no bolso
e sementes de sol no coração.
A fila cresce:
o que admira,
a que suspira,
a que padece.
O semeador avança,
a orquestra toca,
o mundo, sem querer, entra na dança.
A festa aumenta.
Se a noite ciumenta se apresenta
e em protesto espalha seu negrume,
o semeador derrete a escuridão:
seduz a estrela e acende um vagalume.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Flora Figueiredo
As águas - Lya Luft
Quando pensei que tinha chegado
era outra surpresa,
era mais uma curva no rio.
Quando calculei que tudo estava pago
havia ainda os juros
do tempo do esforço
do amor.
Quando achei que estava acabado
os caminhos se espalmaram
como dedos da mão
de um deus,
na torrente no vento
no sopro do universo.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Lya Luft
Khalil Gibran
Quando os pássaros cantam,
estarão chamando as flores nos campos,
ou estão falando às árvores,
ou apenas fazem eco ao murmúrio dos riachos?
Pois o Homem, mesmo com seus conhecimentos,
não consegue saber o que canta o pássaro,
nem o que murmura o riacho,
nem o que sussurram as ondas
quando tocam as praias vagarosa e suavemente.
Mesmo com sua percepção,
o homem não pode entender o que diz a chuva
quando cai sobre as folhas das árvores,
ou quando bate lentamente nos vidros das janelas.
Ele não pode saber o que a brisa segreda às flores nos campos.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Gibran Kahlil Gibran
Duas Flautas - Li Po
Uma noite em que eu respirava o perfume das flores
à beira do rio,
o vento trouxe-me a canção de uma flauta distante.
Para responder-lhe, cortei um ramo de salgueiro
e a canção da minha flauta embalou a noite encantada.
Desde então, todos os dias,
à hora em que o campo adormece,
os pássaros ouvem a conversa
de dois pássaros desconhecidos,
cuja linguagem, no entanto, compreendem.
à beira do rio,
o vento trouxe-me a canção de uma flauta distante.
Para responder-lhe, cortei um ramo de salgueiro
e a canção da minha flauta embalou a noite encantada.
Desde então, todos os dias,
à hora em que o campo adormece,
os pássaros ouvem a conversa
de dois pássaros desconhecidos,
cuja linguagem, no entanto, compreendem.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Li Po,
Poetas chineses
Silêncio - Renata Pallottini
Por que não és, apenas, se assim me bastas?
Tens a grande virtude de existir, o que é tudo.
Por que dizer? São tantas e tão vastas
Todas as palavras! Melhor que dizê-las, pobre é ser mudo.
Nossas mãos também foram feitas para dormir.
Mesmo o amor deve ter seus segredos.
Ninguém pode estar contigo quando queres apenas existir,
Há sempre algo em ti que não escapa à prisão dos teus dedos.
O agudo silêncio não fere ao que o respeita.
O ser, somente, tem a mesma calma de alguma antiga cabana.
Sejamos silenciosos como um anjo que se deita,
Como a queda de uma bênção sobre a alma humana.
Tens a grande virtude de existir, o que é tudo.
Por que dizer? São tantas e tão vastas
Todas as palavras! Melhor que dizê-las, pobre é ser mudo.
Nossas mãos também foram feitas para dormir.
Mesmo o amor deve ter seus segredos.
Ninguém pode estar contigo quando queres apenas existir,
Há sempre algo em ti que não escapa à prisão dos teus dedos.
O agudo silêncio não fere ao que o respeita.
O ser, somente, tem a mesma calma de alguma antiga cabana.
Sejamos silenciosos como um anjo que se deita,
Como a queda de uma bênção sobre a alma humana.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Renata Pallottini
Cessa o teu canto! - Fernando Pessoa
Cessa o teu canto!
Cessa, que, enquanto
O ouvi, ouvia
Uma outra voz
Com que vindo
Nos interstícios
Do brando encanto
Com que o teu canto
Vinha até nós.
Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas cantar.
E a melodia
Que não havia.
Se agora a lembro,
Faz-me chorar.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Fernando Pessoa
O dom de sonhar - Helena Kolody
A esperança engana
Mente o sonho
Eu sei
Que mentiras lindas
eu mesma inventei
e contei para mim...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Helena Kolody
Valsa do adeus - Hélio Pelllegrino
Tudo é partida de navio, velas
ao vento, coisas desancoradas
que se desgarram. Este copo, esta pedra
que pronuncio não são palavras, nem
versos de amor, nem o sopro
vivificante do espírito. São barcos
arrastados pelo tempo, cascas
de fruta na enxurrada, lenços
de adeus, enquanto o vapor se afasta,
e de longe ilumina essa ausência que somos.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Hélio Pellegrino
Solidão - Pedro Homem de Mello
Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A Lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insônia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho!
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A Lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insônia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho!
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Pedro Homem de Mello
Assinar:
Postagens (Atom)