Não olhes: é a noite
completa que tomba.
Não olhes: é a estrada
que, súbito, acaba.
Não olhes: é o anjo,
teu anjo que chora.
Não olhes.
Os Dois Horizontes - Machado de Assis
Dois horizonte fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O voo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O voo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
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Machado de Assis
Retrato de mulher triste - Cecília Meireles
Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.
Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.
Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.
Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.
Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.
Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.
Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.
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Cecília Meireles
Cenário de infância - Emílio Moura
Sombra de troncos e exílio nos olhos parados,
molhados.
O banzo sorrindo, chorando na noite,
cantando na noite,
e a noite sonora de banzo.
(E as amplas campinas estereotipando o irremediável exílio...)
Nas noites sem lua,
os sacis iam espiar os quilombos envenenados,
- gritinhos e falas vegetais no silêncio encharcado das lianas –
e voltava pulando com tições acesos pelas chapadas.
molhados.
O banzo sorrindo, chorando na noite,
cantando na noite,
e a noite sonora de banzo.
(E as amplas campinas estereotipando o irremediável exílio...)
Nas noites sem lua,
os sacis iam espiar os quilombos envenenados,
- gritinhos e falas vegetais no silêncio encharcado das lianas –
e voltava pulando com tições acesos pelas chapadas.
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Emílio Moura
Estação de Maio - Adélia Prado
A salvação opera nos abismos.
Na estaçào indescritível,
o gênio mau da noite me forçava
com saudade e desgosto pelo mundo.
A relva estremecia
mas não era pra mim,
nem os pássaros da tarde.
Cães, crianças, ladridos,
despossuíam-me.
Então rezei: salva-me, Mãe de Deus,
antes do tentador com seus enganos.
A senhora está perdida?
Disse o menino,
é por aqui.
Voltei-me
e reconheci as pedras da manhã.
Na estaçào indescritível,
o gênio mau da noite me forçava
com saudade e desgosto pelo mundo.
A relva estremecia
mas não era pra mim,
nem os pássaros da tarde.
Cães, crianças, ladridos,
despossuíam-me.
Então rezei: salva-me, Mãe de Deus,
antes do tentador com seus enganos.
A senhora está perdida?
Disse o menino,
é por aqui.
Voltei-me
e reconheci as pedras da manhã.
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Adélia Prado
Ferreira Gullar
Estou na caridade da evolução do meu ser.
Quero ser menina, encontro-me mulher...
Quero ser mulher, vejo-me menina...
Quero ser menina, encontro-me mulher...
Quero ser mulher, vejo-me menina...
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Homenagem à mulher
A Mulher Inspiradora - Rabindranath Tagore
Mulher, não és só obra de Deus;
os homens vão-te criando eternamente
com a formosura dos seus corações,
e os seus anseios
vestiram de glória a tua juventude.
Por ti o poeta vai tecendo
a sua imaginária tela de oiro:
o pintor dá às tuas formas,
dia após dia,
nova imortalidade.
Para te adornar, para te vestir,
para tornar-te mais preciosa,
o mar traz as suas pérolas,
a terra o seu oiro,
sua flor os jardins do Verão.
Mulher, és meio mulher,
meio sonho.
os homens vão-te criando eternamente
com a formosura dos seus corações,
e os seus anseios
vestiram de glória a tua juventude.
Por ti o poeta vai tecendo
a sua imaginária tela de oiro:
o pintor dá às tuas formas,
dia após dia,
nova imortalidade.
Para te adornar, para te vestir,
para tornar-te mais preciosa,
o mar traz as suas pérolas,
a terra o seu oiro,
sua flor os jardins do Verão.
Mulher, és meio mulher,
meio sonho.
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Homenagem à mulher
Infinitamente Mulher... - Gérson Severo
Água, Terra
Semente, Ventania
Estrela, Fortaleza
Asas, Alquimia
Liberdade...
Tristeza...
Alegria...
Mulher Poesia
Negra
Branca
Camponesa e Índia...
Mulher Amiga
Amante
Mãe
Vida...
Fonte Infinita...
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Homenagem à mulher
Com licença poética - Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos - dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos - dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
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Adélia Prado
Água azul - José Saramago
Altos segredos escondem dentro de água
O reverso da carne, corpo ainda.
Como um punho fechado ou um bastão,
Abro o líquido azul, a espuma branca,
E por fundos de areia e madrepérola,
Desço o véu sobre os olhos assombrados.
( Na medida do gesto, a largueza do mar
E a concha do suspiro que se enrola.)
Vem a onda de longe, e foi um espasmo,
Vem o salto na pedra, outro grito:
Depois a água azul desvenda as milhas,
Enquanto um longe, e longo, e branco peixe
Desce ao fundo do mar onde nascem as ilhas.
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José Saramago
Canção de Vidro - Mário Quintana
E nada vibrou...
Não se ouviu nada...
Nada...
Mas o cristal
nunca mais deu o mesmo som.
Cala, amigo...
Cuidado, amiga...
Uma
palavra só
Pode tudo perder para sempre...
E é tão puro o
silêncio agora!
Não se ouviu nada...
Nada...
Mas o cristal
nunca mais deu o mesmo som.
Cala, amigo...
Cuidado, amiga...
Uma
palavra só
Pode tudo perder para sempre...
E é tão puro o
silêncio agora!
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Mário Quintana
Caio Fernando Abreu
No meio do rio, eu via a pedra.
A única naquela extensão azul de água,
o pico negro erguido em inesperada fragilidade na solidão.
Eu não tinha instrumentos para caminhar até ela, a pedra,
tomá-la nos braços,
por um instante debruçar minha ternura
sobre seu isolamento
num absurdo desejo que em sua insensibilidade de coisa
ela se fizesse sensível e, assim suavizada,
contivesse o desespero amparando-se em mim.
Por que ela se perdia assim
e assim se assumia e se cumpria em pedra,
dona de si mesma, dispensando qualquer afeto,
qualquer comunicação?
Ela se bastava.
Parecia já ter ido além da própria estrutura
num lento inventariar do mundo ao redor,
como se seu pico tivesse olhos e esses olhos
projetassem indagações em torno, avançando nas descobertas,
constatações se fazendo certezas.
E como se seu isolamento fosse deliberado,
como se já não acreditasse em mais nada
e tivesse escolhido o amparo apenas das águas,
a precária proteção do azul _ como se tivesse escolhido o vento,
a erosão, os vermes, os musgos que a roíam devagar.
Assim, da mesma forma como outros escolhem o apoio das pessoas
ou a nudez do campo, ela escolhera o desafio da entrega.
O despojamento de ser, insolucionada e completa em suas fronteiras:
pedra porque pedra fora, era e seria num sempre que a sustentava,
frágil e absoluta.
A única naquela extensão azul de água,
o pico negro erguido em inesperada fragilidade na solidão.
Eu não tinha instrumentos para caminhar até ela, a pedra,
tomá-la nos braços,
por um instante debruçar minha ternura
sobre seu isolamento
num absurdo desejo que em sua insensibilidade de coisa
ela se fizesse sensível e, assim suavizada,
contivesse o desespero amparando-se em mim.
Por que ela se perdia assim
e assim se assumia e se cumpria em pedra,
dona de si mesma, dispensando qualquer afeto,
qualquer comunicação?
Ela se bastava.
Parecia já ter ido além da própria estrutura
num lento inventariar do mundo ao redor,
como se seu pico tivesse olhos e esses olhos
projetassem indagações em torno, avançando nas descobertas,
constatações se fazendo certezas.
E como se seu isolamento fosse deliberado,
como se já não acreditasse em mais nada
e tivesse escolhido o amparo apenas das águas,
a precária proteção do azul _ como se tivesse escolhido o vento,
a erosão, os vermes, os musgos que a roíam devagar.
Assim, da mesma forma como outros escolhem o apoio das pessoas
ou a nudez do campo, ela escolhera o desafio da entrega.
O despojamento de ser, insolucionada e completa em suas fronteiras:
pedra porque pedra fora, era e seria num sempre que a sustentava,
frágil e absoluta.
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Caio F. Abreu
Narciso e o Caracol - Cecília Meireles
fazei girar a rosa-dos-ventos,
sacudi a ampulheta,
gastai calendários,
despojai primaveras e enfeitai outonos,
matai luas e ressuscitai luas,
trazei pessoas,
levai fantasmas,
descei e subi rios,
atravessai a terra em longo e largo,
levantai cidades e castelos de cartas,
misturai as flores dos caleidoscópios,
fechai os olhos,
abri e fechai janelas,
portas,
palavras...
Jogai para longe os vossos sapatos com a poeira de tanto andar,
e os vossos lenços com lágrimas de tanto adeus.
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Cecília Meireles
Navio fantasma - Arthur Rimbaud
E desde então no Poema do Mar mergulhei,
Cheio de astros, latescentes, devorando
Os verdes céus, onde às vezes se vê,
Lívido e feliz, um sonhador boiando.
Onde tingindo de repente o infinito, delírios
E ritmos lentos sob o dia em esplendor
Mais fortes que o álcool, mais vastos que nossas liras,
Fermentam as sardas amargas do amor!
Sei dos céus rasgando-se em raios, e das trombas,
Das ressacas e da noite e das correntes,
Da Alba exaltada igual a um bando de pombas,
E o que o homem acreditou ver viram meus olhos videntes!
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Arthur Rimbaud
Libertação - José Régio
Menino doido, olhei em roda e vi-me
fechado e só na grande sala escura.
(Abrir a porta, além de ser um crime,
Era impossível para a minha altura...)
Como passar o tempo?...E diverti-me
Desta maneira trágica e segura:
Pegando em mim, resguei-me, abri, parti-me,
Desfiz trapos, arames, serradura...
Ah menino histérico e precoce!
Tu, sim!, que tens mãos trágicas de posse,
E tens a inquietação da Descoberta!
O menino, por fim, tombou cansado;
O seu boneco aí jaz esfarelado...
e eu acho, nem sei como, a porta aberta!
fechado e só na grande sala escura.
(Abrir a porta, além de ser um crime,
Era impossível para a minha altura...)
Como passar o tempo?...E diverti-me
Desta maneira trágica e segura:
Pegando em mim, resguei-me, abri, parti-me,
Desfiz trapos, arames, serradura...
Ah menino histérico e precoce!
Tu, sim!, que tens mãos trágicas de posse,
E tens a inquietação da Descoberta!
O menino, por fim, tombou cansado;
O seu boneco aí jaz esfarelado...
e eu acho, nem sei como, a porta aberta!
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José Régio
A Serenata - Adélia Prado
Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
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