pássaro tenor
afina a garganta
ao sol se pôr
A Moça e o Trem - João Cabral de Melo Neto
O trem de ferro
passa no campo
entre telégrafos.
Sem poder fugir
sem poder voar
sem poder sonhar
sem poder ser telégrafo.
A moça na janela
vê o trem correr
ouve o tempo passar.
O tempo é tanto
que se pode ouvir
e ela o escuta passar
como se outro trem.
Cresce o oculto
elástico dos gestos:
a moça vê a planta crescer
sente a terra rodar:
que o tempo é tanto
que se deixa ver.
passa no campo
entre telégrafos.
Sem poder fugir
sem poder voar
sem poder sonhar
sem poder ser telégrafo.
A moça na janela
vê o trem correr
ouve o tempo passar.
O tempo é tanto
que se pode ouvir
e ela o escuta passar
como se outro trem.
Cresce o oculto
elástico dos gestos:
a moça vê a planta crescer
sente a terra rodar:
que o tempo é tanto
que se deixa ver.
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João Cabral de Melo Neto
Soneto de julho - Ruy Espinheira Filho
É muito tarde para não te amar.
Tudo o que ouço é o sopro do teu nome.
O que sinto é teu corpo, que consome
— presente, ausente — o meu corpo. Luar
em que me abraso, morro: teu olhar
ofuscando memórias, onde some
um mundo, e outro se ergue. Sede, fome
e esperança. Ah, para não te amar
é tão tarde que tudo é já distância,
que só respiro este luar que me arde,
este sopro sem praias do teu nome,
esta pedra em que pulsa e medra a ânsia
e esta aura, enfim, em que me envolve (é tarde!)
o que és — presente, ausente — e me consome.
Tudo o que ouço é o sopro do teu nome.
O que sinto é teu corpo, que consome
— presente, ausente — o meu corpo. Luar
em que me abraso, morro: teu olhar
ofuscando memórias, onde some
um mundo, e outro se ergue. Sede, fome
e esperança. Ah, para não te amar
é tão tarde que tudo é já distância,
que só respiro este luar que me arde,
este sopro sem praias do teu nome,
esta pedra em que pulsa e medra a ânsia
e esta aura, enfim, em que me envolve (é tarde!)
o que és — presente, ausente — e me consome.
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Ruy Espinheira Filho
Soneto - John Keats
Quando fico a pensar poder deixar de ser
antes que a minha pena haja tudo traçado,
antes que em algum livro ainda possa colher
dos grãos que semeei o fruto sazonado;
quando vejo na noite os astros a brilhar
- vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! -
quando penso que nunca hei de poder traçar
sua imagem com arte e em sentido profundo;
quando sinto a fugaz beleza de alguma hora
que não verei jamais – como doce miragem –
turva-se a minha mente, e a alma em silêncio chora
um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem
do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada
até que a glória e o amor me deem a hora sonhada!
antes que a minha pena haja tudo traçado,
antes que em algum livro ainda possa colher
dos grãos que semeei o fruto sazonado;
quando vejo na noite os astros a brilhar
- vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! -
quando penso que nunca hei de poder traçar
sua imagem com arte e em sentido profundo;
quando sinto a fugaz beleza de alguma hora
que não verei jamais – como doce miragem –
turva-se a minha mente, e a alma em silêncio chora
um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem
do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada
até que a glória e o amor me deem a hora sonhada!
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John Keats
A Carlos Drummond de Andrade - João Cabral de Melo Neto
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões
onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo
num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe
como qualquer boca,
que tritura como um
desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro
paredes, das quatro
estações, dos quatro
pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos
jornais
sob as espécies de
papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a
casa, correnteza
carregando os dias,
os cabelos.
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João Cabral de Melo Neto
HAIKAI - Nádia Dantas
No cansaço me desfaço
e no silêncio da poesia
lentamente renasço
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Nádia Dantas
O gol - Ferreira Gullar
A esfera desce
Do espaço
Veloz
Ele a apara
No peito
E a pára
No ar
Depois
Com o joelho
A dispõe a meia altura
Onde
Iluminada
A esfera
Espera
O chute que
Num relâmpago
A dispara
Na direção
Do nosso
Coração.
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Ferreira Gullar
Pão nosso - Ivo Barroso
Amanhã nosso pão terá pedra — e o comeremos.
Ao parti-lo, amanhã, nosso pão será de pedra
e o comeremos.
Ao se partir em dois, o pão que a nossa fome espera,
será pedra,
e o comeremos.
Pois aceitar é o que estamos
fazendo neste dia, pois aceitar
é o que viemos fazendo nos dias
que antecederam mais um, que é este dia;
pois aceitar é o que vamos fazendo sem sentir
como quem come a pedra em vez do pão
pensando o pão.
Partindo-o, partiremos um seixo apenas.
Um seixo, afinal, que em vez de atirá-lo
— comeremos.
Ao parti-lo, amanhã, nosso pão será de pedra
e o comeremos.
Ao se partir em dois, o pão que a nossa fome espera,
será pedra,
e o comeremos.
Pois aceitar é o que estamos
fazendo neste dia, pois aceitar
é o que viemos fazendo nos dias
que antecederam mais um, que é este dia;
pois aceitar é o que vamos fazendo sem sentir
como quem come a pedra em vez do pão
pensando o pão.
Partindo-o, partiremos um seixo apenas.
Um seixo, afinal, que em vez de atirá-lo
— comeremos.
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Bucólica Nostálgica - Adélia Prado
Ao entardecer no mato, a casa entre
bananeiras, pés de manjericão e cravo-santo,
aparece dourada. Dentro dela, agachados,
na porta da rua, sentados no fogão, ou aí mesmo,
rápidos como se fossem ao Êxodo, comem
feijão com arroz, taioba, ora-pro-nobis,
muitas vezes abóbora.
Depois, café na canequinha e pito.
O que um homem precisa pra falar,
entre enxada e sono: Louvado seja Deus!
bananeiras, pés de manjericão e cravo-santo,
aparece dourada. Dentro dela, agachados,
na porta da rua, sentados no fogão, ou aí mesmo,
rápidos como se fossem ao Êxodo, comem
feijão com arroz, taioba, ora-pro-nobis,
muitas vezes abóbora.
Depois, café na canequinha e pito.
O que um homem precisa pra falar,
entre enxada e sono: Louvado seja Deus!
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Adélia Prado
O rei do mar - Cecília Meireles
Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta vida. Longo mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...
Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o rei do mar. ..
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Cecília Meireles
A mão enorme - Jorge de Lima
Dentro da noite, da tempestade,
a nau misteriosa lá vai.
O tempo passa, a maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa lá vai.
Acima dela
que mão é essa maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.
a nau misteriosa lá vai.
O tempo passa, a maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa lá vai.
Acima dela
que mão é essa maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.
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Meu jardim - Cyro de Mattos
Ontem o girassol
brilhou de sol a sol.
Hoje a borboleta
brincou com a violeta
e a operosa abelha
beijou a rosa vermelha.
Amanhã a magnólia
vai contar a história
do Reizim Valentim
e seu cavalo Bandolim.
Coisas coloridas assim
acontecem em meu jardim.
brilhou de sol a sol.
Hoje a borboleta
brincou com a violeta
e a operosa abelha
beijou a rosa vermelha.
Amanhã a magnólia
vai contar a história
do Reizim Valentim
e seu cavalo Bandolim.
Coisas coloridas assim
acontecem em meu jardim.
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