escrevo como quem quer ser escrito
uma árvore ou uma pena no centro da frase
um espelho branco onde observo a palavra
e dos seus troncos brotam folhas, letras
inundações de verde no lago azul do céu
que caem, voando, asas de papel
como tu, também eu sussurro
lentas sílabas à leve melancolia que nos abraça
Uma simples elegia - Mário Quintana
Caminhozinho por onde eu ia andando
E de repente te sumiste
- o que seria que te aconteceu?
Eu sei... o tempo... as ervas más... a vida...
Não, não foi a morte que acabou contigo:
Foi a vida.
Ah, nunca a vida fez uma história mais triste
Que a de um caminho que se perdeu...
E de repente te sumiste
- o que seria que te aconteceu?
Eu sei... o tempo... as ervas más... a vida...
Não, não foi a morte que acabou contigo:
Foi a vida.
Ah, nunca a vida fez uma história mais triste
Que a de um caminho que se perdeu...
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Mário Quintana
bicicletinhas na tarde - Vera Lúcia de Oliveira
vejo crianças na fúria
de fabricar voragens de vento
estralam seus pedais
correm mais do que a dor
mais do que o tempo
correm contra a dureza
do muro
e da noite
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Vera Lúcia de Oliveira
HAIKAI - Yara Shimada
Bolhas de sabão —
Giram rostos de crianças
sorrindo na tarde.
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HAIKAI
Carmim - José Geraldo Neres
estrela marinha
aquário de vento
gota tecelã
suspensa
(olhos-tempestade)
quimera
do seio lunar
contorna
o orvalho
pedra de fogo
lateja
na
aquarela-ventre
gênesis
aquário de vento
gota tecelã
suspensa
(olhos-tempestade)
quimera
do seio lunar
contorna
o orvalho
pedra de fogo
lateja
na
aquarela-ventre
gênesis
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Questão de Pontuação - João Cabral de Melo Neto
Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);
viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):
o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);
viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):
o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.
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Tributo a A J. G. ROSA - Manoel de Barros
Passarinho parou de cantar.
Essa é apenas uma informação.
Passarinho desapareceu de cantar.
Esse é um verso de J. G. Rosa.
Desapareceu de cantar é uma graça verbal.
Poesia é uma graça verbal.
Essa é apenas uma informação.
Passarinho desapareceu de cantar.
Esse é um verso de J. G. Rosa.
Desapareceu de cantar é uma graça verbal.
Poesia é uma graça verbal.
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Manoel de Barros
Praia - Sophia de Mello B. Andresen
Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem
Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes
Pássaros selvagens de repente,
atirados contra a luz como pedradas
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.
As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas
E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
baloiça nos pinheiros.
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Sophia de Mello B. Andresen
Posso entrar? - Eloí Elizabet Bocheco
Posso entrar no seu
reino, meu rei?
- Só se ocupar todas
as pausas, reinando
sobre as palavras.
- Posso entrar no seu
reino, meu rei?
- Só se trouxer o livro
de adivinhar canto de
passarinho.
- Posso entrar no seu
reino, meu rei?
- Só se vier pulando
amarelinha e inventando
o caminho.
Pé aqui...
Pé acolá...
Pode entrar!
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Eloí Elizabet Bocheco
São Paulo - Sérgio Milliet
Canto a cidade das neblinas
e dos viadutos
minha cidade
amante de futebol e vendedora de café
Os aventureiros bigodudos
como nas fitas da Paramount
o Friedenreich pé de anjo
e a bolsa de mercadorias
as chaminés parturientes do Brás
os quinze mil automóveis orgulhosos
no barulho ensurdecedor dos klaxons
e a cultura envernizada dos burgueses
os engraxates da Praça Antônio Prado
e o serviço telegráfico do "Estado"
a febre do dinheiro
as falências sírio-nacionais
a especulação sobre os terrenos
a politicagem e os politiqueiros
e a negra de pó de arroz
e até os bondes da Light
para o Tietê das regatas e dos bandeirantes
os homens dizem que tu és ingrata
e que devoras os teus próprios filhos...
Mas que linda madrasta tu és
toda vestida de jardins!
Minha cidade
Amo também teus plátanos nostálgicos
imigrantes infelizes
teus crepúsculos de seda japonesa
tuas ruas longas de casas baixas
e teu triângulo provinciano...
e dos viadutos
minha cidade
amante de futebol e vendedora de café
Os aventureiros bigodudos
como nas fitas da Paramount
o Friedenreich pé de anjo
e a bolsa de mercadorias
as chaminés parturientes do Brás
os quinze mil automóveis orgulhosos
no barulho ensurdecedor dos klaxons
e a cultura envernizada dos burgueses
os engraxates da Praça Antônio Prado
e o serviço telegráfico do "Estado"
a febre do dinheiro
as falências sírio-nacionais
a especulação sobre os terrenos
a politicagem e os politiqueiros
e a negra de pó de arroz
e até os bondes da Light
para o Tietê das regatas e dos bandeirantes
os homens dizem que tu és ingrata
e que devoras os teus próprios filhos...
Mas que linda madrasta tu és
toda vestida de jardins!
Minha cidade
Amo também teus plátanos nostálgicos
imigrantes infelizes
teus crepúsculos de seda japonesa
tuas ruas longas de casas baixas
e teu triângulo provinciano...
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Filho da floresta, água e madeira - Thiago de Mello
Filho da floresta,
água e madeira
vão na luz dos meus olhos,
e explicam este jeito meu de amar as estrelas
e de carregar nos ombros a esperança.
Um lanho injusto, lama na madeira,
a água forte de infância chega e lava.
Me fiz gente no meio de madeira,
as achas encharcadas, lenha verde,
minha mãe reclamava da fumaça.
Na verdade abri os olhos vendo madeira,
o belo madeirame de itaúba
da casa do meu avô no Bom Socorro,
onde meu pai nasceu
e onde eu também nasci.
Fui o último a ver a casa erguida ainda,
íntegros os esteios se inclinavam,
morada de morcegos e cupins.
Até que desabada pelas águas de muitas cheias,
a casa se afogou
num silêncio de limo, folhas, telhas.
Mas a casa só morreu definitivamente
quando ruíram os esteios da memória
de meu pai,
neste verão dos seus noventa anos.
Durante mais de meio século,
sem voltar ao lugar onde nasceu,
a casa permaneceu erguida em sua lembrança,
as janelas abertas para as manhãs
do Paraná do Ramos,
a escada de pau-d’arco
que ele continuava a descer
para pisar o capim orvalhado
e caminhar correndo
pelo campo geral coberto de mungubeiras
até a beira florida do Lago Grande
onde as mãos adolescentes aprendiam
os segredos dos úberes das vacas.
Para onde ia, meu pai levava a casa
e levava a rede armada entre acariquaras,
onde, embalados pela surdina dos carapanãs,
ele e minha mãe se abraçavam,
cobertos por um céu insuportavelmente
estrelado.
Uma noite, nós dois sozinhos,
num silêncio hoje quase impossível
nos modernos frangalhos de Manaus,
meu pai me perguntou se eu me lembrava
de um barulho no mato que ele ouviu
de manhãzinha clara ele chegando
no Bom Socorro aceso na memória,
depois de muito remo e tantas águas.
Nada lhe respondi. Fiquei ouvindo
meu pai avançar entre as mangueiras
na direção daquele baque, aquele
baque seco de ferro, aquele canto
de ferro na madeira — era a tua mãe,
os cabelos no sol, era a Maria,
o machado brandindo e abrindo em achas
um pau mulato azul, duro de bronze,
batida pelo vento, ela sozinha
no meio da floresta.
Todas essas coisas ressurgiam
e de repente lhe sumiam na memória,
enquanto a casa ruína se fazia
no abandono voraz, capim-agulha,
e o antigo cacaual desenganado
dava seu fruto ao grito dos macacos
e aos papagaios pândegas de sol.
Enquanto minha avó Safira, solitária,
última habitante real da casa,
acordava de madrugada para esperar
uma canoa que não chegaria nunca mais.
Safira pedra das águas,
que me dava a bênção como
quem joga o anzol pra puxar
um jaraqui na poronga,
sempre vestida de escuro
a voz rouca disfarçando
uma ternura de estrelas
no amanhecer do Andirá.
Filho da floresta, água e madeira,
voltei para ajudar na construção
do morada futura. Raça de âmagos,
um dia chegarão as proas claras
para os verdes livrar da servidão.
água e madeira
vão na luz dos meus olhos,
e explicam este jeito meu de amar as estrelas
e de carregar nos ombros a esperança.
Um lanho injusto, lama na madeira,
a água forte de infância chega e lava.
Me fiz gente no meio de madeira,
as achas encharcadas, lenha verde,
minha mãe reclamava da fumaça.
Na verdade abri os olhos vendo madeira,
o belo madeirame de itaúba
da casa do meu avô no Bom Socorro,
onde meu pai nasceu
e onde eu também nasci.
Fui o último a ver a casa erguida ainda,
íntegros os esteios se inclinavam,
morada de morcegos e cupins.
Até que desabada pelas águas de muitas cheias,
a casa se afogou
num silêncio de limo, folhas, telhas.
Mas a casa só morreu definitivamente
quando ruíram os esteios da memória
de meu pai,
neste verão dos seus noventa anos.
Durante mais de meio século,
sem voltar ao lugar onde nasceu,
a casa permaneceu erguida em sua lembrança,
as janelas abertas para as manhãs
do Paraná do Ramos,
a escada de pau-d’arco
que ele continuava a descer
para pisar o capim orvalhado
e caminhar correndo
pelo campo geral coberto de mungubeiras
até a beira florida do Lago Grande
onde as mãos adolescentes aprendiam
os segredos dos úberes das vacas.
Para onde ia, meu pai levava a casa
e levava a rede armada entre acariquaras,
onde, embalados pela surdina dos carapanãs,
ele e minha mãe se abraçavam,
cobertos por um céu insuportavelmente
estrelado.
Uma noite, nós dois sozinhos,
num silêncio hoje quase impossível
nos modernos frangalhos de Manaus,
meu pai me perguntou se eu me lembrava
de um barulho no mato que ele ouviu
de manhãzinha clara ele chegando
no Bom Socorro aceso na memória,
depois de muito remo e tantas águas.
Nada lhe respondi. Fiquei ouvindo
meu pai avançar entre as mangueiras
na direção daquele baque, aquele
baque seco de ferro, aquele canto
de ferro na madeira — era a tua mãe,
os cabelos no sol, era a Maria,
o machado brandindo e abrindo em achas
um pau mulato azul, duro de bronze,
batida pelo vento, ela sozinha
no meio da floresta.
Todas essas coisas ressurgiam
e de repente lhe sumiam na memória,
enquanto a casa ruína se fazia
no abandono voraz, capim-agulha,
e o antigo cacaual desenganado
dava seu fruto ao grito dos macacos
e aos papagaios pândegas de sol.
Enquanto minha avó Safira, solitária,
última habitante real da casa,
acordava de madrugada para esperar
uma canoa que não chegaria nunca mais.
Safira pedra das águas,
que me dava a bênção como
quem joga o anzol pra puxar
um jaraqui na poronga,
sempre vestida de escuro
a voz rouca disfarçando
uma ternura de estrelas
no amanhecer do Andirá.
Filho da floresta, água e madeira,
voltei para ajudar na construção
do morada futura. Raça de âmagos,
um dia chegarão as proas claras
para os verdes livrar da servidão.
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