O lugar não importa: pode ser o Japão, a Holanda, a campina inglesa.
Mas é absolutamente preciso que seja domingo.
O azul do céu ecoa na esmeralda do rio
E o rio reflete docemente as margens de relva verde-laranja
Dir-se-ia que da mansão da esquerda voou o lençol virginal de miss
Para ser no céu sem mancha a única nuvem.
A calma é velha, de uma velhice sem pátina
As cores são simples, ingênuas
A estação é feliz: o guarda da ponte chegou a pintar
De listas vermelhas o teto de sua casinhola.
E, meu Deus, se não fossem esses diabinhos de pinheiros a fazer caretas
E a pressa com que o homem da charrete vai:
- A pressa de quem atravessou um vago perigo
Tudo estivesse perfeito,
e não me viesse esse medo tolo de a pequena ponte levadiça
Desabe e se molhe o vestido preto de Cristina Georgina Rosseti.
Que vai de umbrela
especialmente para ouvir a prédica do novo pastor da vila.
Oferenda - Roseana Murray
Poesia é o que posso te oferecer
como um pouco de tempo claro
no fundo do tacho
como uma estrela de água
escuta: os pássaros forram a tarde
com seus invisíveis anseios
caminha com cuidado
o chão está armado
em cima de horizontes
tudo pode ruir de repente
essa casa de vento
meu coração
como um pouco de tempo claro
no fundo do tacho
como uma estrela de água
escuta: os pássaros forram a tarde
com seus invisíveis anseios
caminha com cuidado
o chão está armado
em cima de horizontes
tudo pode ruir de repente
essa casa de vento
meu coração
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Roseana Murray
Sombra - Cecília Meireles
Os homens passam pelas ruas misteriosas...
Ouvi ecoarem na noite
A sua loucura e o seu pavor...
Os homens olharam para dentro
E viram mistérios...
Os homens olharam para fora
E viram mistérios...
E foram pelas ruas misteriosas
Debatendo-se como pensamentos
Presos em círculos negros...
Ouvi ecoarem na noite
A sua loucura e o seu pavor...
Os homens olharam para dentro
E viram mistérios...
Os homens olharam para fora
E viram mistérios...
E foram pelas ruas misteriosas
Debatendo-se como pensamentos
Presos em círculos negros...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Cecília Meireles
Tranquilidade na tarde - Olga Savary
A Liene T. Eiten
Ah, derramar-me líquida sobre o mar
– ser onda indefinidamente –
esperar pela primeira estrela
e dela ser apenas
espelho.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Olga Savary
Poema da purificação - Carlos Drummond de Andrade
Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As águas ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As águas ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade
Na fazenda - Manoel de Barros
Barulhinho vermelho de cajus
e o riacho passando
nos fundos do quintal...
Dali
se escutavam os ventos com a boca
como um dia ser árvore.
Eu era lutador de jacaré.
As árvores falavam.
Bugre Teotônio bebia marandovás.
Víamos por toda parte cabelos misgalhadinhos de borboletas...
Abriu-se
uma pedra
certa vez:
os musgos
eram frescos...
As plantas
me ensinavam de chão.
Fui aprendendo com o corpo.
Hoje sofro de gorjeios
nos lugares puídos de mim.
Sofro de árvores.
e o riacho passando
nos fundos do quintal...
Dali
se escutavam os ventos com a boca
como um dia ser árvore.
Eu era lutador de jacaré.
As árvores falavam.
Bugre Teotônio bebia marandovás.
Víamos por toda parte cabelos misgalhadinhos de borboletas...
Abriu-se
uma pedra
certa vez:
os musgos
eram frescos...
As plantas
me ensinavam de chão.
Fui aprendendo com o corpo.
Hoje sofro de gorjeios
nos lugares puídos de mim.
Sofro de árvores.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Partitura com Lua - Dora Ferreira da Silva

Notação de pássaros
nos fios da rua:
mínimas semínimas pausas.
Sobre o piano rosas estremecem.
Cadências de alma sobressaltam um público
desatento e ao relento ressoam
algumas dissonâncias (tropel de potros
presos numa sala). Mas por acaso em pura sintonia
pássaros refazem a partitura
no heptacorde dos fios da rua.
Ei-la tão plena no dia findo azulado-
a lua soberana e alta
do sono deste outono.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Dora Ferreira da Silva
Sorria - Fernando Py
Sorria.
Você está sendo roubado
todo santo dia.
Não chore.
Haverá sempre alguém
que o explore.
A vida causa transtornos?
Não se importe.
Você desliza suavemente
Para a morte.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Fernando Py
Poetas - Florbela Espanca

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.
Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!
Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.
E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Florbela Espanca
Aniversário - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos
era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha,
estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje
(e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome,
sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez
com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares,
com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas
o resto na sombra debaixo do alçado
As tias velhas, os primos diferentes,
e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos
era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha,
estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje
(e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome,
sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez
com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares,
com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas
o resto na sombra debaixo do alçado
As tias velhas, os primos diferentes,
e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Fernando Pessoa
Pelo horizonte de areias - Cecília Meireles
Pelo horizonte de areias,
reclina-se a voz do canto.
A moça diz muito longe:
"Eu sou a rosa do campo..."
O beduíno para e escuta,
vestido de pensamento,
sozinho entre as margens de ouro
do ar e do deserto imenso.
"Eu sou a rosa do campo..."
E olhando para as ovelhas
sente o chão verde e macio
e flores pelas areias.
"Eu sou a rosa do campo..."
Mas tudo o que ouve e está vendo,
é poeira, apenas, que voa:
o vento da voz ao vento.
reclina-se a voz do canto.
A moça diz muito longe:
"Eu sou a rosa do campo..."
O beduíno para e escuta,
vestido de pensamento,
sozinho entre as margens de ouro
do ar e do deserto imenso.
"Eu sou a rosa do campo..."
E olhando para as ovelhas
sente o chão verde e macio
e flores pelas areias.
"Eu sou a rosa do campo..."
Mas tudo o que ouve e está vendo,
é poeira, apenas, que voa:
o vento da voz ao vento.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
A luz oblíqua - Sophia de Mello B. Andresen
A luz oblíqua da tarde
Morre e arde
Nas vidraças
Nas coisas nascem fundas taças
Para a receber,
E ali eu vou beber.
A um canto cismo
Suspensa entre as horas e um abismo
A vibração das coisas cresce.
Cada instante
No seu secreto murmurar é semelhante
A um jardim que verdeja e que floresce.
Morre e arde
Nas vidraças
Nas coisas nascem fundas taças
Para a receber,
E ali eu vou beber.
A um canto cismo
Suspensa entre as horas e um abismo
A vibração das coisas cresce.
Cada instante
No seu secreto murmurar é semelhante
A um jardim que verdeja e que floresce.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Sophia de Mello B. Andresen
As Cores De Abril - Vinícius de Moraes
As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor
O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor
Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção
Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor
O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor
Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção
Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Vinícius de Moraes
Assinar:
Postagens (Atom)