Um céu numa flor silvestre - Rubem Alves
Conhece-se a beleza dádiva dos deuses por aquilo que
ela produz na alma dos homens.
Quem é possuído por ela entra em êxtase:
cessa o riso, cessa o choro, o pensamento para,
a fala emudece.
É mística.
A alma está tomada pela felicidade
da tranquilidade absoluta.
Era assim que se sentia o Criador ao contemplar,
ao final de cada dia de trabalho,
o resultado da sua obra:
"Está muito bom!
Do jeito que deveria ser!
Nada há de ser modificado!
Amém!"
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Rubem Alves
Fidelidade - Henriqueta Lisboa
Ainda agora e sempre
o amor complacente.
De perfil de frente
com vida perene.
E se mais ausente
a cada momento
tanto mais presente
com o passar do tempo
à alma que consente
no maior silêncio
em guardá-lo dentro
de penumbra ardente
sem esquecimento
nunca para sempre
doloridamente.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Henriqueta Lisboa
Brejo das almas - Carlos Drummond de Andrade
Fui em busca de vãs utopias.
Lutei contra moinhos de vento.
Dei murros em ponta de faca.
Quis reter o ultimo raio de sol
Do poente...
E a última gota de água
Da chuva...
Guardei vaga-lumes brilhantes
Em redomas translúcidas...
Guardei os girinos do rio
Em aquários de vidro...
Enchi vidros de água
Com giz colorido.
Quis reter suas cores...
Acreditei... que não desbotariam.
Desbotam...
As águas... As roupas no varal... As aquarelas...
Desbotam os olhos... e as fotografias...
Não venci os moinhos de vento...
Tenho as mãos machucadas
Das pontas de faca....
O sol não me deu o seu último raio...
E a chuva negou-me sua última gota...
Vaga-lumes não fizeram brilhar
Minha lanterna mágica...
E os girinos do rio não se tornaram
Peixes coloridos...
Viraram sapos!
Que inda hoje coaxam
No brejo das almas...
Onde mora a saudade...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade
Ser e Estar - Mário Quintana
A nuvem, a asa, o vento,
a árvore, a pedra, o morto...
tudo o que está em movimento,
tudo o que está absorto...
aparente é esse alento
de vela rumando um porto
como aparente é o jazimento
de quem na terra achou conforto...
pois tudo o que é está imerso
neste respirar do universo - ora mais brando ora mais forte
porém sem pausa definida -
e curto é o prazo da vida...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Mário Quintana
Nádia Dantas

que encanto é este
que embala o meu sonho
nas ondas do mar?
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Nádia Dantas
O palhaço - Manoel de Barros
Gostava só de lixeiros crianças e árvores
Arrastava na rua por uma corda uma estrela suja.
Vinha pingando oceano!
Todo estragado de azul.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Volta a São Luís - Ferreira Gullar
Mal cheguei e já te ouvi
gritar pra mim: bem te vi!
E a brisa é festa nas folhas
Ah, que saudade de mim!
O tempo eterno é presente
no teu canto, bem te vi
(vindo do fundo da vida
como no passado ouvi)
E logo os outros repetem:
bem te vi, te vi, te vi
Como outrora, como agora,
como no passado ouvi
(vindo do fundo da vida)
Meu coração diz pra si:
as aves que lá gorjeiam
não gorjeiam como aqui
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Ferreira Gullar
Fisionomia - Ana Cristina César
não é mentira
é outra
a dor que dói
em mim
é um projeto
de passeio
em círculo
um malogro
do objeto
em foco
a intensidade
de luz
de tarde
no jardim
é outra
a dor que dói
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Ana Cristina César
Um voo de andorinha - Mário Quintana
Um voo de andorinha
Deixa no ar o risco de um frêmito...
Que é isto, coração?! Fica aí, quietinho:
Chegou a idade de dormir!
Mas
Quem é que pode parar os caminhos!
E os rios cantando e correndo?
E as folhas ao vento? E os ninhos...
E a poesia...
A poesia como um seio nascendo...
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Mário Quintana
Melancolia - Henriqueta Lisboa
Água negra
negros bordes
poço negro
com flor.
Água turva
densa escuma
turvo limo
com flor.
Noite espessa
sem lanterna
espesso poço
com flor.
sobra, corpo
de serpente
na oferenda
da flor
Risco de morte
violenta,
árdua morte
de asfixia
veneno letal
fatal
quase que puro
suicídio
com uma
lenta
lenta
flor.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Henriqueta Lisboa
A suposta existência - Carlos Drummond de Andrade
Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?
O interior do apartamente desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho
três vezes deserto,
a formiga sob a terra no domingo,
os mortos, um minuto
depois de sepultados,
nós, sozinhos
no quarto sem espelho?
Que fazem, que são
as coisas não testadas como coisas,
minerais não descobertos - e algum dia
o serão?
Estrela não pensada,
palavra rascunhada no papel
que nunca ninguém leu?
Existe, existe o mundo
apenas pelo olhar
que o cria e lhe confere
espacialidade?
Concretitude das coisas: falácia
de olhar enganador, ouvido falso, mão que brinca de pegar o não
e pegando concede-lhe
a ilusão da forma
e, ilusão maior, a de sentido?
Ou tudo vige
planturosamente, à revelia
de nossa judicial inquirição
e esta apenas existe consentida
pelos elementos inquiridos?
Será tudo talvez hipermercado
de possíveis e impossíveis possibilíssimos
que geram minha fantasia de consciência
enquanto exercito a mentira de passear
mas passeado sou pelo passeio,
que é o sumo real, a divertir-se
com esta bruma-sonho de sentir-se
e fruir peripécias de passagem?
Eis se delineia
espantosa batalha
entre o ser inventado
e o mundo inventor.
Sou ficção rebelada
contra a mente universa
e tento construir-me
de novo a cada instante, a cada cólica,
na faina de traçar
meu início só meu
e distender um arco de vontade
para cobrir todo o depósito
de circunstantes coisas soberanas.
A guerra sem mercê, indefinida
prossegue,
feita de negação, armas de dúvida,
táticas a se voltarem contra mim,
teima interrogante de saber
se existe o inimigo, se existimos
ou somos todos uma hipótese de luta
ao sol do dia curto em que lutamos.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade
Assinar:
Comentários (Atom)












