HAIKAI - Yeda Prates Bernis
Manchas de tarde
na água. E um voo branco
transborda a paisagem.
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Yeda Prates Bernis
Meus dias foram aquelas romãs brunidas - Cecília Meireles
Meus dias foram aquelas romãs brunidas
repletas de cor e sumo e doçura compacta.
Foram aquelas dálias, redondas colméias
cheias de abelhas, de vento e de horizontes.
Meus dias foram aquelas negras raízes
escravas, caminhando por humildes subterrâneos.
Foram aquelas rosas duramente construídas
e logo sopradas por lábios displicentes.
Ah! meus dias foram aqueles sóbrios cactos
de raríssima flor encravada em coroas de espinhos.
Meus dias foram estes altos muros robustos,
este peso de enormes pedras, este cansado limite,
onde pousavam solidões, palavras, enganos
com o brilho, a inconstância desta incerta borboleta.
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Cecília Meireles
Noite - Abgar Renault
Há duas pombas brancas no telhado.
Junto delas pousa o silêncio do dia já parado,
e entre asas caladas o primeiro gesto da noite vai crescendo.
É tarde nos telhados e nas árvores,
é tarde (triste e mais tarde) nessa rua
que se reabriu no fundo de um olhar,
onde se movem ressurrectos mármores
e começam a discorrer ventos e velas
por sobre a limpidez das mesmas águas velhas,
e pássaros azuis bicam frutos de astro soltos no ar.
Sobem (de onde?) vultos escuros de coisas e de entes,
alongam a última distância, somem a luz que se destece
e a linha dos caminhos, apagam o verde prado.
Não há duas pombas brancas no telhado:
sobre elas, seu voo e seu arrulho ausentes
a lápide sem cor das horas desce.
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Abgar Renault
Flores - Dora Ferreira da Silva
As flores do inverno vão se abrindo
em arbustos sem folhas
candelabros de ramos
que se aquecem
na débil luz que emana das corolas.
Falam em surdina, veladas de aroma,
as pétalas, bailarinas do pudor,
confidenciando nos vórtices secretos
dentro da pálpebra do dia sem calor.
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Dora Ferreira da Silva
O Ar - Paulo Bomfim

Em nossa transparência
Os muros da carne.
Em nossa angústia
O vento rebelde.
Em nossa nuvem
O voo do pássaro.
Em nossa fonte
A água invisível.
Em nossa árvore
A serpente do nada.
Somos o ar
Na torre das palavras.
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Paulo Bomfim
O nascimento do Poema - Adélia Prado
O que existe são coisas,
não palavras. Por isso
te ouvirei sem cansaço recitar em búlgaro
como olharei montanhas durante horas,
ou nuvens.
Sinais valem palavras,
palavras valem coisas,
coisas não valem nada.
Entender é um rapto,
é o mesmo que desentender.
Minha mãe morrendo,
não faltou a meu choro este arco-íris:
o luto irá bem com meus cabelos claros.
Granito, lápide, crepe,
são belas coisas ou palavras belas?
Mármore, sol, lixívia.
Entender me sequestra de palavras e de coisa,
arremessa-me ao coração da poesia.
Por isso escrevo os poemas
pra velar o que ameaça minha fraqueza mortal.
Recuso-me a acreditar que homens inventam as línguas,
é o Espírito quem me impele,
quer ser adorado
e sopra no meu ouvido este hino litúrgico:
baldes, vassouras, dívidas e medo,
desejo de ver Jonathan e ser condenada ao inferno.
Não construí as pirâmides. Sou Deus.
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Adélia Prado
Palavras - Manoel de Barros
Palavra dentro da qual estou há milhões de anos é árvore.
Pedra também.
Eu tenho precedências para pedra.
Pássaro também.
Não posso ver nenhuma dessas palavras que não leve um susto.
Andarilho também.
Não posso ver a palavra andarilho
que não tenha vontade de dormir debaixo de uma árvore.
Que eu não tenha vontade de olhar com espanto,
de novo, aquele homem do saco a passar como um rei de andrajos
nos arruados de minha aldeia.
E tem mais uma: as andorinhas,
pelo que sei, consideram os andarilhos como árvore.
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Manoel de Barros
Um poema de amor para domingo - Ana Hatherly

Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonhas
e o que só por mim poderá ter sonhado.
Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde.
Então serias aquele que existe
e o que só por mim poderá ter sonhado.
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Ana Hatherly
Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
O vento levantou-se...
Primeiro era como a voz de um vácuo...
um soprar no espaço para dentro de um buraco,
uma falta no silêncio do ar.
Depois ergueu-se um soluço, um soluço do fundo do mundo,
o sentir-se que tremiam vidraças e que era realmente vento.
Depois soou mais alto, urro surdo,
um chocar sem ser ante o aumentar noturno,
um ranger de coisas, um cair de bocados, um átomo de fim do mundo.
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Fernando Pessoa
As grades - Sidónio Muralha
Um pássaro entrou na gaiola vazia
e a gaiola fechou a alegria.
Canta a gaiola de contentamento
e canta o pássaro contra as grades
mas só canta porque tem saudades
das montanhas, do sol e do vento.
Cheia de pássaro a gaiola
cantarola, cantarola,
mas o pássaro tem asas
e vai deixar a gaiola.
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Sidónio Muralha
Olhar do Tempo - Ives Gandra
Olhar do tempo. Como eu sinto a messe,
Safra da terra, sem semente fora!
Ceifem a messe, que a safra apodrece,
Tempo de sempre, que se faz de agora.
Olhar do tempo. Como eu sinto o rio,
Estrada líquida, sem outra estrada!
Bebam a estrada, que desponta o estio,
Tempo de todos, que se faz de cada.
Olhar do tempo. Como eu sinto o espaço,
Tapete imenso, sem limites ao norte!
Durmam o norte, norteando o passo,
Tempo de vida que se faz de morte.
Olhar do tempo, como eu sinto a cruz!
Tempo de sombra, que se faz de luz.
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Ives Gandra da Silva Martins
O boi - Carlos Drummond de Andrade
Ó solidão do boi no campo,
ó solidão do homem na rua!
Entre carros, trens, telefones,
Entre gritos, o ermo profundo.
Ó solidão do boi no campo,
Ó milhões sofrendo sem praga!
Se há noite ou sol, é indiferente,
A escuridão rompe com o dia.
Ó solidão do boi no campo,
Homens torcendo-se calados!
A cidade é inexplicável
E as casas não têm sentido algum.
Ó solidão do boi no campo!
O navio-fantasma passa
Em silêncio na rua cheia.
Se uma tempestade de amor caísse!
As mãos unidas, a vida salva...
Mas o tempo é firme. O boi é só.
No campo imenso a torre de petróleo.
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Carlos Drummond de Andrade
Fábula - Cecília Meireles
Logo que pode, a azaléia abriu-se.
Ai! tinha um pingo de chuva dentro.
Noites, noites, noites formaram-na.
E meus olhos, esperando.
Será por um breve dia, seu límpido rosto.
Mas já os meus olhos irão dentro dela.
Vejo-os na gota de orvalho.
Vejo-os fechados na seda murcha.
Vejo-o caídos na manhã seguinte.
Fiéis à sua esperança.
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Cecília Meireles
Na noite tranquila - Li Bai
Penso na noite
diante da cama a lua brilha
em cima da geada está a dúvida
miro em cima e há lua cheia
miro embaixo e sinto saudade da minha terra.
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Li Bai
O voo - Menotti Del Picchia
Goza
a euforia do voo do anjo perdido em ti.
Não
indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.
Que
sabes tu do fim?
Se
temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
Conserva
a ilusão de que teu voo te leva sempre para o mais alto.
No
deslumbramento da ascensão, se pressentires que amanhã estarás mudo, esgota,
como
um pássaro, as canções que tens na garganta.
Canta!
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez
as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro.
Desde
que nasceste não és mais que um voo no tempo.
Rumo
do céu?
Que
importa a rota?
Voa
e canta, enquanto resistirem as asas.
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Menotti Del Picchia
Os cavalos da noite - H. Dobal
Os cavalos da noite galopando
de crinas soltas contra a luz da lua
eram fantasmas breves dominando
os sonhos de um menino solitário.
Um menino sem forças contra a noite
sonhava os seus cavalos assustados
e se inventava cavaleiro andante
dono dos seus caminhos pela vida.
Campeava as distâncias descuidado
e armado pelo sono ia amansando
no coração da treva os seus temores.
E revivia a noite no mistério
dos árdegos cavalos renovando
o seu campo de sonho solitário.
de crinas soltas contra a luz da lua
eram fantasmas breves dominando
os sonhos de um menino solitário.
Um menino sem forças contra a noite
sonhava os seus cavalos assustados
e se inventava cavaleiro andante
dono dos seus caminhos pela vida.
Campeava as distâncias descuidado
e armado pelo sono ia amansando
no coração da treva os seus temores.
E revivia a noite no mistério
dos árdegos cavalos renovando
o seu campo de sonho solitário.
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