Coroada de heras,
a lua para a festa esquiva.
À sombra, amantes teceram ramos.
Longe, nas grutas do mar,
pura é a água de que nascemos.
Resina no coração dos vivos,
o musgo se alastrando.
Que música se faz distância e remos
que formas se dissipam
se em novelos os dedos se emaranham?
Dança a lua votiva sua dança nas águas:
desnastraram-lhe as estrelas o cabelo.
São asas ou serpentes que na espádua se alagam
para desatar-lhe o voo?
As velas do barco já se afastam
do marinheiro que trespassou-lhe o sangue.
Hilda Hilst
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Costuro o infinito sobre o peito.
E no entanto sou água fugidia e amarga.
e sou crível e antiga como aquilo que vês
Pedras, frontões no Todo inamovível.
Terrena, me adivinho montanha algumas vezes.
Recente, inumana, inexprimível
Costuro o infinito sobre o peito
Como aqueles que amam.
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Hilda Hilst
Canção do caminho - Cecília Meireles

Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço!
Ah! mas logo ali adiante
- tão perto!-
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.
(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)
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Cecília Meireles
Em despedida: proibindo o pranto - John Donne
Como esses santos homens que se apagam
Sussurrando aos espíritos "Que vão...",
Enquanto alguns dos amigos amargos
Dizem: "Ainda respira" E outros: "Não"
Nos dissolvamos sem fazer ruído,
Sem tempestades de ais, sem rios de pranto,
Fora profanação nossa ao ouvido
Dos leigos descerrar todo este encanto.
O terremoto traz terror e morte
E o que ele faz expõe a toda a gente,
Mas a trepidação do firmamento,
Embora ainda maior, é inocente.
O amor desses amantes sublunares
(Cuja alma é só sentidos) não resiste
À ausência, que transforma em singulares
Os elementos em que ele consiste.
Mas a nós (por uma afeição tão alta,
Que nem sabemos do que seja feita,
Interassegurado o pensamento)
Mãos, olhos, lábios não nos fazem falta.
As duas almas, que são uma só
Embora eu deva ir, não sofrerão
Um rompimento, mas uma expansão,
Como ouro reduzido a aéreo pó.
Se são duas, o são similarmente
Às duas duras pernas do compasso:
Tua alma é a perna fixa, em aparente
Inércia, mas se move a cada passo.
Da outra, e se no centro quieta jaz,
Quando se distancia aquela, essa
Se inclina atentamente e vai-lhe atrás
E se endireita quando ela regressa.
Assim serás para mim que pareço
Como a outra perna obliquamente andar.
Tua firmeza faz-me circular,
Encontrar meu final em meu começo.
Sussurrando aos espíritos "Que vão...",
Enquanto alguns dos amigos amargos
Dizem: "Ainda respira" E outros: "Não"
Nos dissolvamos sem fazer ruído,
Sem tempestades de ais, sem rios de pranto,
Fora profanação nossa ao ouvido
Dos leigos descerrar todo este encanto.
O terremoto traz terror e morte
E o que ele faz expõe a toda a gente,
Mas a trepidação do firmamento,
Embora ainda maior, é inocente.
O amor desses amantes sublunares
(Cuja alma é só sentidos) não resiste
À ausência, que transforma em singulares
Os elementos em que ele consiste.
Mas a nós (por uma afeição tão alta,
Que nem sabemos do que seja feita,
Interassegurado o pensamento)
Mãos, olhos, lábios não nos fazem falta.
As duas almas, que são uma só
Embora eu deva ir, não sofrerão
Um rompimento, mas uma expansão,
Como ouro reduzido a aéreo pó.
Se são duas, o são similarmente
Às duas duras pernas do compasso:
Tua alma é a perna fixa, em aparente
Inércia, mas se move a cada passo.
Da outra, e se no centro quieta jaz,
Quando se distancia aquela, essa
Se inclina atentamente e vai-lhe atrás
E se endireita quando ela regressa.
Assim serás para mim que pareço
Como a outra perna obliquamente andar.
Tua firmeza faz-me circular,
Encontrar meu final em meu começo.
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Naufrágio - Emílio Moura

Meu grito não chega nunca
lá onde a aurora é possível.
A vida que nunca tive
me sustenta sobre as águas.
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Emílio Moura
A música - Eugénio de Andrade
Álamos.
Essa música
de matutina cal.
Doces vogais
de sombra e água
num verão de fulvos
lentos animais.
Calhandra matinal
na areia
branca de junho.
Acidulada música
de cardos
e navalhas.
Música do fogo
em redor dos lábios.
Desatada
à roda da cintura.
Entre as pernas
junta.
Música
das primeiras chuvas
sobre o feno.
Só aroma,
abelha de água.
Repouso e regaço
onde o lume breve
duma romã brilha.
Música, levai-me:
Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?
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Eugénio de Andrade
Pobreza - Adalgisa Nery
O manto de linho tecido para a minha infância
Ao lavá-lo ao rio
A corrente o levou.
O manto de seda tecido para a minha adolescência
Ao mostrá-lo ao sol
O vento o levou.
O manto de lã tecido para a minha morte
Ao aquecê-lo ao fogo
A chama o queimou.
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Adalgisa Nery
Prelúdio - Sidónio Muralha
A minha Poesia é uma árvore cheia de frutos
que um sol de tragédia amadurece;
mas eu não os arranco nem procuro:
- o meu sol de tragédia aquece, aquece,
e o fruto cai de maduro.
No resto, sou empregado de escritório
que não procura desvendar abismos,
e passo o dia (glorioso ou inglório)
a somar algarismos...
A minha Poesia é um árvore cheia de frutos
que um sol de tragédia amadurece;
mas eu não os arranco nem procuro:
- sei a miséria da estrada percorrida;
o meu sol de tragédia aquece, aquece,
- e o fruto cai de maduro
no chão da minha vida.
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Sidónio Muralha
Difícil de entender... - Manoel de Barros
- Difícil de entender, me dizem, é a sua poesia, o senhor concorda?
- Para entender nós temos dois caminhos: o da sensibilidade
que é o entendimento do corpo;
e o da inteligência que é o entendimento do espírito.
Eu escrevo com o corpo
Poesia não é para compreender mas para incorporar
Entender é parede: procure ser uma árvore.
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Manoel de Barros
No mundo há muitas armadilhas - Ferreira Gullar
No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha
Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Troia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?
Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.
O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje
A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha
Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Troia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?
Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.
O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje
A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.
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Tempo Será: - Manuel Bandeira
A Eternidade está longe
(Menos longe que o estirão
Que existe entre o meu desejo
E a palma da minha mão).
Um dia serei feliz?
Sim, mas não há de ser já:
A Eternidade está longe,
Brinca de tempo-será.
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Manuel Bandeira
Entardeceres - Jorge Luís Borges
A clara profusão de um poente
enaltece a rua,
a rua aberta como um vasto sonho
para qualquer acaso.
O límpido arvoredo
perde o último pássaro, o ouro último.
A mão andrajosa de um mendigo
agrava a tristeza dessa tarde.
O silêncio que mora nos espelhos
forçou seu cárcere.
A escuridão é o sangue
das coisas feridas.
No ocaso incerto
a tarde mutilada
foi umas pobres cores.
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Jorge Luís Borges
Para mim mesma - Cecília Meireles
Para meus olhos, quando chorarem,
terem belezas mansas de brumas,
que na penumbra se evaporarem...
Para meus olhos, quando chorarem,
terem doçuras de auras e plumas...
E as noites mudas de desencanto
se constelarem, se iluminarem
como os astros mortos que vêm no pranto...
As noites mudas de desencanto...
Para meus olhos, quando chorarem...
Para meus olhos, quando chorarem,
terem divinas solicitudes
pelos que mais os sacrificarem...
Para meus olhos, quando chorarem,
verterem flores sobre os paludes...
Para que os olhos dos pecadores
que os humilharem, que os maltratarem,
tenham carinhos consoladores,
Se, em qualquer noite de ânsias e dores,
os olhos tristes dos pecadores
para os meus olhos se levantarem...
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Cecília Meireles
As valsas - Cecília Meireles
Como se desfazem s valsas
por longos pianos aéreos
que a noite envolve em suas chuvas!
Que ternura nas nossas pálpebras,
pelo exílio suave dos gestos
e dos perfis de antigas músicas!
Os marfins opacos recordam,
com uma graça desiludida,
a aura da morta formosura.
Gente de sonho, sem memória,
entrelaçada, conduzida
por salões de esperança e dúvida.
E eram tão leves, nessas valsas!
E levavam lágrimas entre
seus colares e suas luvas!
E falavam de suas mágoas,
valsando, e delicadamente,
com a voz presa e as pestanas úmidas!
Ah, tão longe, tão longe, as salas...
Levados os lustres e as vidas,
o amor triste, a humilde loucura...
Ficaram apenas as valsas,
girando cegas e sozinhas,
sem os habitantes da música!
por longos pianos aéreos
que a noite envolve em suas chuvas!
Que ternura nas nossas pálpebras,
pelo exílio suave dos gestos
e dos perfis de antigas músicas!
Os marfins opacos recordam,
com uma graça desiludida,
a aura da morta formosura.
Gente de sonho, sem memória,
entrelaçada, conduzida
por salões de esperança e dúvida.
E eram tão leves, nessas valsas!
E levavam lágrimas entre
seus colares e suas luvas!
E falavam de suas mágoas,
valsando, e delicadamente,
com a voz presa e as pestanas úmidas!
Ah, tão longe, tão longe, as salas...
Levados os lustres e as vidas,
o amor triste, a humilde loucura...
Ficaram apenas as valsas,
girando cegas e sozinhas,
sem os habitantes da música!
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Cecília Meireles
Ela ia, tranquila pastorinha - Fernando Pessoa
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...
"Em longes terras hás de ser rainha"
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...
Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _
Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...
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Fernando Pessoa
Temos a arte para não morrer da verdade - Nietzsche
Temos a arte para não morrer da verdade.
Temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade.
Somente a arte pode transfigurar
a desordem do mundo em beleza
e fazer aceitável tudo aquilo que há
de problemático e terrível na vida.
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