Paisagem - Vinícius de Moraes,




Subi a alta colina
Para encontrar a tarde
Entre os rios cativos
A sombra sepultava o silêncio.

Assim entrei no pensamento
Da morte minha amiga
Ao pé da grande montanha
Do outro lado do poente.

Como tudo nesse momento
Me pareceu plácido e sem memória
Foi quando de repente uma menina
De vermelho surgiu no vale correndo, correndo…

Crepúsculo - H. Dobal

Silencioso
Solitário
Sinistro
Um sol-poente
Celebra o suicídio da tarde.

Andavam de noite - Fernando Pessoa

Andavam de noite aos segredos
Só porque era noite...
Os bosques enchiam de medos
Quem quer que se afoite...

Diziam [?] palavras que pesam [?]
À sombra de alguém...
Ninguém os conhece, e passam...
Não eram ninguém...

Fica só na aragem e na ânsia
Saudade a fingir...
Foi como se fora distância...
Eu torno a dormir.

Devaneio - Helena Kolody



No silêncio interior,
a alma sonâmbula
põe-se a dançar.
A sombra de seu bailado
traça leves arabescos
na face do sonho
e desperta as palavras da canção.

Mar - Sophia de Mello B. Andresen



Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Breve minha alma - Fernando Paixão



Breve minha alma
há de ser água
e essa água
terra.
Como um dia veio
da terra
a água da minha
alma.

Discurso aos infiéis - Cecília Meireles



Por que chorar de saudade,
se me resta o longo mar sonoro e vazio,
a flor perfeita, a estrela certa,
e a canção que o pássaro vai borlando ao vento?

Por que chorar de saudade,
se me resta um jardim de palavras,
e os bosques do eco
e estes caminhos da memória me pertencem?

Por que chorar pelo que me levais,
se é maior o que fica:
se a sombra em que voa recordo é mais bela que o vosso vulto,
se não podeis ser em vós o que em mim sois,
se em vós morreis e em mim ressuscitais?

é melhor não ficar jamais com quem nos ama.
O amor é um compromisso de grandeza,
o amor é uma vigília incansável...
e aparentemente vã.

Passai, parti, deixai-me, vós que, no entanto,
parecestes um momento mais adoráveis
que o mar, que a flor, que a estrela,
que a canção que um frágil pássaro vai borlando no vento...

Éreis o vento, apenas.

Pátria Minha - Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo...

Pátria Minha - Vinícius de Moraes



A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.



Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!



Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!



Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...



Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!



Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!



Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.



Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.


Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…

Vinicius de Moraes."

Canção - Tasso da Silveira



Esse mar tanto sulcado
por meus avós navegantes,
fugindo das praias de antes
ficou dentro em mim guardado.
Pois quanto mais alto e fundo
e perdido é o sonho, vejo
que os barcos todos do mundo
navegam no meu desejo.

O poeta e o aviador - Olga Savary


Entre teu céu
e o meu
leve sussurro de asas.

As vitrines - Chico Buarque

Nádia Dantas



Manhã de alegria
mangueira florida
encanto e encontro
no canto do dia.

O azul ilumina a vida.

Pra lá e pra cá...

mais alto
mais alto
e alcanço o céu.

Voo junto com as aves
Pra lá e pra cá...

Mais alto
Mais alto

Deixa-me sonhar.

Suavíssima - Cecília Meireles



Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente...

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma...

Fica-se longe, quase morta, como ausente...
Sem ter certeza de ninguém...de coisa alguma...
Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente,

De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma...
E os galos cantam, no crepúsculo dormente...

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente...

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Tão para lá!... No fim da tarde...além da bruma...
E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma...

Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma...
E os galos cantam, no crepúsculo dormente...

Antes de nós - Ricardo Reis (Fernando Pessoa)



Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?

Eterna mágoa - Augusto dos Anjos


O homem por sobre quem caiu a
praga
Da tristeza do Mundo, o homem que
é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que
traga
Consolo à Mágoa, a que só ele
assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda
a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não
cabe
Na sua vida, é que essa mágoa
infinda
Transpõe a vida do seu corpo
inerme;
E quando esse homem se
transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha
ainda!

Wim Mertens - We are the thieves

Árvore - Hélio Pellegrino

Quanto silêncio em tua raiz,
árvore, respiraste,
para chegares a ousar
a doçura que ousaste;
quanta nortada sacudiu,
na fúria rouca de águas bravas,
tua galharia, até que houvesse
esta flor calma em tua haste.


O naufrágio - Ives Gandra da Silva Martins

O naufrágio roubou-me o barco triste,
Silentemente, como rouba a vida.
O meu naufrágio é um mal, que mal existe,
Pois que, no fim, começa outra partida.
Anteriormente vira esta ferida,
Ferida, meu amor, que nunca viste.
Continuei capitão, que inda resiste,
Porém sem ter sentido tal descida.
O naufrágio, portanto, foi normal.
O barco triste soçobrou por frágil
Nas águas calmas, desfazendo em sal.
Depois o mar voltou a ser caminho
De um outro menos triste e bem mais ágil
E o barco triste o mar deixou sozinho.